O BEM CUSTA DINHEIRO

. Agendas positivas custam caro Toda vez que se fala em agenda positiva, aumenta o gasto público. Sob pressão do caso Waldomiro e dos feios números da economia, o governo resolveu mostrar serviço para o bem. Assim, o presidente Lula determinou que se encontrasse um jeito de pagar os aposentados que pleiteiam uma correção por conta de problemas na correção das pensões no tempo da URV – lembram-se? – a Unidade Real de Valor, que antecedeu o real. Segundo cálculos apresentados pelo próprio ministro da Previdência, Amir Lando, isso pode custar uns R$ 12 bilhões para pagar os atrasados e mais uns R$ 2 bilhões ao ano quando tudo estiver corrigido. Considerando que o déficit do INSS previsto para este ano já esbarra nos R$ 40 bilhões, não é uma conta pequena. Outra agenda positiva foi antecipar a ampliação dos benefícios do Bolsa Família, uma conta de uns R$ 200 milhões/mês, menor que a anterior, mas ainda assim expressiva. Também houve uma determinação para que o governo federal antecipe transferências para Rio Grande do Sul, cuja administração está sem dinheiro para pagar salários e aposentadorias. Diz-se que há um esforço de compor com os governadores. Claro que há bons argumentos a favor de cada uma dessas medidas. A correção das aposentadorias vem sendo determinada pela justiça em diversas ações. O Bolsa Família é um programa importante de distribuição de renda. E o Rio Grande do Sul – bom, aqui não, o governo não merece a ajuda porque há três anos não consegue conter a alta dos gastos correntes, incluindo com pessoal. Mas, quanto às outras duas medidas, os argumentos bons existiam também antes da crise. E estavam guardados, digamos assim, porque medidas justas também custam dinheiro – e aquelas saem muito caras sobretudo para um governo que vem de anunciar um corte no orçamento. Diz-se que o presidente Lula não mandou simplesmente aumentar gastos, mas que se arranjasse o dinheiro para os aposentados e Bolsa Família de alguma outra fonte. Ou seja, alguns outros setores vão perder recursos. Quais? Só pode ser naqueles ligados aos investimentos em infraestrutura. Isso porque os gastos federais são exageradamente engessados. Tira-se a despesa obrigatória com salários, aposentadorias, transferência de renda, educação e saúde (gasto corrente) e sobra quase nada para, por exemplo, investir em estradas, portos e saneamento. Mas é nesse nada que dá para cortar e arranjar dinheiro para aposentadorias e Bolsa Família, manobra que justamente aumenta a parte do gasto obrigatório e não "comprimível". Ou seja, do ponto de vista do crescimento em longo prazo, essa agenda positiva dá péssimos resultados. Mas uma boa agenda positiva foi a determinação de Lula para que se apresse a apresentação do modelo para o setor de saneamento. Isto é uma encrenca antiga, com duas vertentes: primeira, saber de quem é a água e o esgoto, se da prefeitura ou do governo estadual; segunda, se pode privatizar ou se tudo deve ser estatal. O governo FHC tinha uma proposta em andamento, que foi rejeitada pela nova administração. Supunha-se que o governo do PT, que alardeava longos anos de estudo e propostas para quase tudo, tivesse um modelo na cabeça. Não tinha. A coisa está sendo negociada desde o início do governo e agora, com a pressa determinada pelo presidente, parece que será apresentada em algumas semanas. É um setor essencial, não apenas porque move a economia (a construção civil teve o pior desempenho no ano passado), mas também porque melhora as condições de vida e reduz, no médio prazo, os gastos com saúde. O pessoal do PT dividiu-se entre fazer tudo estatal ou permitir concessões privadas ou ainda no sistema das Parcerias Público-Privadas, cujo modelo está em votação no Congresso. Qual é a conclusão diso tudo? Vai demorar para que comecem os investimentos: ainda se discutem os modelos, depois se vota, depois se regulamenta, depois vêm as licitações e o começo das obras, isso se o setor privado considerar o sistema seguro e estimulante. Isto é, que dê dinheiro e que o dinheiro seja pago em dia. Sem o setor privado, aí mesmo é que não sai nada. Os governos não têm dinheiro e estão excessivamente endividados. Há uma sobra de superávit primário que o FMI concordou que seja aplicado em saneamento. Mas não dá nem R$ 3 bilhões e o setor precisa de muito mais que isso. Esse tipo de problema – demora no modelo regulatório para infraestrutura – causa mais atraso ao processo de crescimento do que a taxa de juros e o superávit primário. Só que é mais fácil o Banco Central derrubar juros e o governo aumentar seus gastos. Fácil, em termos. Seria preciso ter gente que topasse fazer isso. Mas a política comandada pelo ministro Antonio Palocci está comprometida com o combate à inflação e com o controle das contas públicas, de modo a se gerar superávit primário, uma economia nas despesas correntes e de investimentos para pagar parte da conta de juros. Portanto, para mudar isso, seria preciso trocar o ministro e a diretoria do BC, o que não seria trivial. Nem política, nem economicamente. O mercado, como se sabe, vota todo dia. Só um rumor mais ou menos consistente de queda da equipe econômica já provocaria uma confusão danada, com alta dos juros e do risco Brasil e queda da Bolsa. Talvez depois as coisas se acomodassem, com o mercado se ajeitando a um ministro desenvolvimentista, tipo pé no acelerador. O problema é que a receita de crescimento com gasto público e um “pouco”de inflação já foi aplicada outras vezes, aliás quando o governo tinha mais recursos e menos dívidas, e não deu em nada. Quer dizer, deu em inflação e estagnação. Além disso, Lula teria dificuldades em modificar uma área de seu governo que mostra serviço. Já tem José Dirceu enfraquecido. Imagine se precisar mexer também com Palocci. O problema, por outro lado, é que a política de Palocci não fecha sem a realização da agenda micro, justamente aquela destinada a abrir caminho para os investimentos privados. Agenda que anda atrasada, trombando em questões ideológicas. Não está fácil. Publicado em O Estado de S.Paulo, 01/03/2004

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