CRISE POLÍTICA E A ECONOMIA

.  O risco agora é ficar parado      
A reação instintiva dos mercados, em caso de crise, é vender ações e papéis do governo e comprar dólares. Por mais desvalorizada que esteja, a moeda americana ainda é o ativo seguro quando há risco de ruptura política e incerteza quanto ao futuro imediato. Por esse critério, o mercado não se abalou com as denúncias de corrupção batendo no governo Lula. Houve alguma volatilidade, a bolsa sofreu queda forte em alguns momentos, mas nada que modificasse as tendências anteriores. O risco Brasil permaneceu nos seus níveis mais baixos e o dólar continuou valorizado, atingindo a cotação mais baixa desde abril de 2002 no último dia 27 (R$ 2,375), justamente quando se iniciava a semana de depoimentos possivelmente explosivos nas diversas comissões de investigação. Mas seria precipitado concluir daí que a crise política não exerce qualquer efeito sobre a economia. Primeiro, porque ainda não se sabe até onde podem avançar as histórias de corrupção. Segundo, porque, além da reação instintiva, há uma outra maneira pela qual os agentes econômicos se relacionam com a política. É pela via da confiança (ou da desconfiança) na capacidade do governo de tocar sua agenda. E o caso aqui, a cada dia que passa, está mais para desconfiança. A primeira reação, emocional, afeta instantaneamente o mercado financeiro. A segunda, racional, afeta a disposição de investir e de consumir, ou seja, a capacidade de crescimento do país. O ministro da Fazenda, Antonio Palocci, encarregou-se de controlar as emoções.  Por meio de palavras e atos, deixou claro que, primeiro, ele não tem nada a ver com essa confusão, ao contrário, até sai fortalecido com a queda de José Dirceu, crítico da política econômica. Em segundo lugar, deu provas concretas de que as bases dessa política estão mantidas ao anunciar que a meta de inflação para 2006 será de 4,5%, com dois pontos de tolerância. Rejeitou, assim, as demandas populistas por mais tolerância com a alta de preços. Do mesmo modo, o governo seguiu produzindo expressivo superávit primário nas suas contas, também aqui recusando as pressões pelo aumento do gasto público. Em resumo, não se esperam mudanças bruscas na política econômica, tal é a conclusão amplamente disseminada. Trata-se, claro, de uma demonstração de maturidade que as instituições continuem funcionando normalmente. O problema está em outra parte. Está no Congresso Nacional, onde tramitam projetos importantes para a atividade econômica. E está também no Executivo, onde repousam planos de investimento necessários para melhorar a infraestrutura nacional. Ora, a crise política atinge igualmente o Congresso e o Executivo. Parlamentares do PP e PL, partidos da base governista, estão sob suspeita de receber mensalão ? dinheiro em troca de votos. Parlamentares e dirigentes do PT estão sob suspeita de pagar o mensalão. Além disso, ministérios, estatais e diversos órgãos do governo federal aparecem como supostas fontes do ?funding? da corrupção. Há diversas investigações em curso, no Congresso e no Executivo, tudo isso concentrando atenção e energia. O presidente Lula fez um apelo para que as instituições continuem funcionando durante esse período. Em especial pediu que o Parlamento mantenha as votações. Seria importante. Eis algumas questões cruciais que aguardam votação no Senado ou na Câmara dos Deputados ou em ambos: reforma tributária, sobretudo a unificação do ICMS; a complementação da reforma da Previdência; as leis processuais que darão eficiência prática à reforma do Judiciário; a lei que reorganiza as agências reguladoras; e a reforma sindical. Isso sem contar o projeto que confere autonomia ao Banco Central, uma prioridade da Fazenda, mas que ainda nem começou a tramitar. Se votada, toda essa legislação teria o efeito de facilitar a vida das empresas e melhorar o ambiente de negócios. Em resumo, seria positiva para o consumo e para o investimento. As votações, é claro, dependem da reorganização da base parlamentar do governo, mas também do restabelecimento de boas relações com a oposição. Reformas tributária e previdenciária, por exemplo, não passam sem votos de parlamentares do PSDB e PFL. No momento, o presidente Lula está concentrado na recomposição de sua base. É o que pretende com a oferta de mais ministérios e mais poder ao PMDB. Se isso não funcionar ? como parecia que não funcionaria quando esta edição era preparada ? como poderia o presidente buscar melhor relacionamento com a oposição sem contar com sua própria base? Resultado: parece claro que as chances de votação da agenda de reformas caíram drasticamente e caem ainda mais a cada nova CPI que se instala no Congresso. Mas o Executivo tem ampla margem de ação e pode continuar funcionando sem o Parlamento. De fato, Dilma Roussef disse em entrevista a O Globo (23/06) que Lula, quando lhe entregou a Casa Civil, pediu atenção especial para seis objetivos: o andamento das PPPs (obras pelo sistema de Parceria Público Privada); a transposição do rio São Francisco; a ferrovia Transnordestina; a recuperação das rodovias federais; o programa do biodiesel; e os programas sociais. Tudo isso independe ou depende muito pouco da Câmara e do Senado. Tudo depende de eficiência administrativa do governo federal, virtude em falta até aqui, excetuada a área da Fazenda. Ocorre, além disso, que a ministra Dilma tem pouco tempo para mostrar serviço. No calendário, resta apenas um ano e meio ao governo. Na prática, ainda menos, porque logo o ambiente político começa a ser dominado pelas eleições gerais de 2006. Ou seja, o governo Lula tem até o final deste ano para colocar em marcha seus grandes projetos. Os programas sociais estão em andamento, sem  maiores problemas. O projeto do biodiesel só será importante daqui a alguns anos. Mas as obras ? São Francisco, estradas e ferrovia ? são investimentos que movimentariam a economia de imediato. Idem para as PPPs, que têm a vantagem adicional de trazer investimento privado para a infraestrutura. Infelizmente, porém, as chances de avanço são pequenas. O lançamento das PPPs depende, no plano imediato, da definição de um fundo garantidor de pagamentos e, no médio prazo, do grau de confiança no governo. Tudo considerado, incluindo as restrições de contratação no período eleitoral, especialistas no setor dizem que as primeiras obras pelo sistema PPP devem começar apenas em 2007, depois das eleições. Já as obras do São Francisco, da ferrovia Transnordestina e das rodovias poderiam ser iniciadas antes. Mas há restrições. Por exemplo: rodovias federais terão de ser licitadas e entregues a concessionárias privadas, e há pouco tempo para isso. Os batalhões de engenharia do Exército podem começar as obras do São Francisco, mas a continuidade também depende de licitações. E por aí vai. Ou seja, para tocar as prioridades, a ministro Dilma terá que conseguir do governo, em poucas semanas, uma eficiência que não se viu em dois anos e meio. Isso em meio a mudanças nos ministérios e em diversas estatais e órgãos públicos, por motivos de corrupção ou de composição política. Não vai ser fácil. O mais provável é que o governo Lula empurre com a barriga até as eleições, torcendo para que a política econômica produza algum crescimento no primeiro semestre de 2006. O resto será marketing para tentar descolar o presidente Lula da corrupção e do marasmo. A menos de um milagre. Publicado na revista Exame, edição 846, data de capa 06/julho/2005

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