O BC E A ALTA DOS JUROS NO BRASIL

. A coisa errada ou a coisa certa no momento errado? Ao elevar os juros, o BC fez o que ninguém esperava. No curto prazo, já deu errado. No futuro, veremos Há diferentes interpretações para a decisão do Banco Central de elevar a taxa básica de juros de 15,25% para 15,75%, tomada na última quarta. Mas há um ponto em comum: todas as análises trazem alguma crítica ao BC, ou à própria decisão ou ao modo como se fez a coisa. Além disso, praticamente todo mundo concorda que a decisão do BC jogou mais turbulência num cenário que já vinha complicado. Claro que um banco central, aqui ou qualquer outro país, não precisa fazer aquilo que o mercado espera. Mas quando toma decisão totalmente inesperada, então algo saiu errado. O que teria sido? Uma primeira divisão separa, de um lado, os analistas para os quais o BC tinha razões técnicas para elevar os juros e, de outro, os que consideraram não haver qualquer justificativa para isso. Para o primeiro grupo, tudo se resume na conclusão de que houve uma piora acentuada no cenário de curto prazo, em consequência das turbulências externas (EUA, Argentina e sinais de menor crescimento mundial) e internas (a crise política na base do governo FHC). A mistura dá no “estresse” (assim mesmo, aportuguesado) da taxa de câmbio, isto é, na disparada do dólar. Se a alta do dólar pode vir a elevar a inflação lá na frente – e tendo o BC a missão legal de manter a inflação deste ano na faixa dos 4% – então a instituição tinha mesmo que elevar os juros desde já. Essa alta dos juros deveria dar uma segurada no ritmo de crescimento e também provocar uma queda do dólar. Ou seja, diminuir a instabilidade e dar segurança quanto ao cumprimento da meta. Já para outros analistas, a razão técnica para a elevação dos juros não tem relação imediata com a inflação. Para esses, não há qualquer problema de inflação. A meta para este ano é de 4% e as últimas estimativas estavam um pouco acima disso, mas ainda confortavelmente dentro da margem de tolerância, dois pontos acima ou dois abaixo. Ou seja, a inflação pode ficar entre 2% e 6%, que estará na meta. Assim, não haveria motivo para se elevar os juros se a expectativa está, por exemplo, em 4,5%. O problema principal estaria no excessivo crescimento da economia brasileira neste momento – excessivo em relação a uma economia mundial que estaria desacelerando. Esse descompasso levaria a um aumento do déficit brasileiro no comércio externo. Crescendo forte, a economia brasileira aumenta as importações. Com o mundo crescendo menos ou em recessão, o Brasil não consegue aumentar as exportações. Aumenta o déficit comercial, faltam mais dólares, a cotação tende a subir, evidencia-se a chamada vulnerabilidade externa – ou seja a dependência de capitais externos. (E por sinal, a entrada de investimentos externos diretos andou fraca nas últimas semanas, incapaz de cobrir o déficit das contas externas). Mas se era tão lógico assim, por que esse grupo de analistas também achava que o BC não elevaria os juros? Acontece que diretores do BC e o ministro da Fazenda, Pedro Malan, vinham desenhando um cenário otimista. Insistiam que as turbulências do momento eram isso mesmo, momentâneas. Além disso, acrescentavam, o mercado estava exagerando na sua reação e desconsiderando os excelentes fundamentos da economia brasileira que a credenciavam a navegar nesse mar revolto. Em resumo, não havia razão alguma para o dólar chegar aonde chegou. A cotação haveria de cair tão logo as coisas se acalmassem minimamente. Nesse ambiente, todo mundo esperava que o BC agisse apenas na taxa de câmbio, isto é, vendesse dólares ou títulos indexados ao dólar nos momentos de maior “estresse”. Aí vem o BC e eleva os juros de meio ponto percentual. Uma bomba nas expectativas e no bolso dos investidores. Dá um prejuízo enorme para todos aqueles que, confiantes no cenário positivo, que incluía a tendência de queda de juros, tinham aplicado seus recursos em títulos pré-fixados. Esse pessoal ficou com um mico nas mãos. Exemplo: quando a taxa básica de juros estava a 15,25%, o investidor comprou um título com vencimento daqui a sete meses, com juros anuais pré-fixados de 16%. Bom negócio. Supondo que a taxa básica ia cair, o investidor pagaria juros de 15% para financiar um papel que renderia 17%. Na última sexta, a taxa de juros no mercado privado de títulos do governo foi a 21%. Ou seja, aquele investidor está financiando a 21% papéis que pagam 17%. Algumas estimativas mostram que, se os juros não cederem logo, os investidores podem ter prejuízo superior a R$ 1 bilhão. Muita gente vai dizer: azar desses especuladores do mercado financeiro. Infelizmente não é simples assim. Esses títulos pré-fixados, na maior parte, estão com os fundos de investimentos em renda fixa, onde se encontra a poupança da classe média brasileira. (Aliás, caro leitor, cara leitora, se você tem esse tipo de aplicação, é melhor dar uma palavra com o seu gerente). Além disso, o governo vem desenvolvendo uma política para vender mais títulos pré-fixados e de prazo cada vez mais longo, porque isso dá mais segurança e estabilidade à dívida pública. A idéia é mudar a situação atual, em que a maior parte dos papéis é pós-fixada, varia no dia-a-dia, uma fonte de instabilidade. Ou seja, não é uma boa idéia dar prejuízo ao investidor que apostou no cenário positivo e comprou papel pré-fixado. Por isso mesmo surgiu outra inquietação: talvez o cenário tenha mudado e já não seja positivo. Daí a pergunta que circulou na quinta passada: o que o BC sabe (de grave) que o resto dos mortais não sabe? E aqui entra o segundo grande grupo, o dos analistas para os quais o BC não tinha qualquer razão técnica para elevar os juros. Para estes, o cenário certo é justamente aquele pintado previamente pelo BC – de turbulências momentâneas num quadro de bons fundamentos. Não haveria nada de diferente, nenhum fator oculto acontecendo. Ao contrário, nota esse grupo, a turbulência parecia estar diminuindo. A crise argentina começava a passar do sufoco com a ação de Domingo Cavallo; nos EUA, os juros caíram e vão cair mais; a crise política no Brasil está passando da fase aguda; e, finalmente, o preço da gasolina deve cair em abril, ajudando a empurrar a inflação para baixo. Assim, se o BC esperasse um pouco, mantendo os juros estáveis, era possível que se confirmasse a tese do exagero do dólar diante de turbulências momentâneas. Ao contrário, ao elevar os juros, o BC simplesmente causou mais tumulto. Na quinta e na sexta, o BC veio a público para dizer que os dois lados dessa história estão exagerando. Que por causa da alta do dólar, a meta da inflação escapou um pouquinho e o BC resolveu dar um pouquinho de juros, uma sintonia fina, para enquadrar o índice de preços. Uma simples ação preventiva, uma coisinha de nada. Pode até ser que isso se confirme mais à frente. Ainda assim, a consequência da alta de juros mostra que o BC errou longe na avaliação do momento. Quem ficará com a razão dentro de algumas semanas? Veremos. Para não ficar no muro, o colunista adianta que teria votado pela manutenção dos juros. (Publicado em O Estado de S.Paulo, 26/03/2001)

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