O AVIÃO CAIU, O TALIBAN RUIU

. Por um triz, mas para o lado melhor Escapamos por um triz na semana passada. Imaginem o cenário se o avião que caiu em Queens tivesse sido derrubado por Osama Bin Laden. Embora de menor proporção, o segundo ataque provavelmente teria efeito político e econômico mais grave pois indicaria que a se perdia a guerra contra o terror. O susto imediato derrubaria os mercados financeiros e comeria toda a recuperação das bolsas ocorrida nas últimas semanas, inclusive da brasileira. O baixo astral mundial levaria à suspensão de investimentos e negócios que mal começavam a se recuperar. Portanto, ambiente de recessão mais profunda e mais longa. Com certeza, não foi de pouca tragédia que nos livramos. E além de termos escapado dessa, o regime do Taliban ruiu com uma facilidade espantosa. Quer dizer, espantosa para quem tomava ao pé da letra as ameaças de Bin Laden e do mulá Muhamed Omar. Espantosa para quem entendia que o radicalismo islâmico fosse não a imposição de uma ditadura sangrenta mas uma legítima manifestação da cultura do povo muçulmano. Na verdade, bastou cair uma cidade importante, Mazar-i-Sharif, e o resto desabou como peças de dominó. Parece que a população esperava apenas um sinal para perder o medo do Taliban. Assim foi: mulheres tiraram a burka e voltaram a trabalhar; homens rasparam a barba; os rapazes foram jogar futebol no estádio antes reservado a execuções; rapazes e moças ligaram os rádios e aparelhos de som que ficaram escondidos nos cinco anos de regime Taliban; televisores apareceram, mostraram as imagens de uma partida de futebol (Irlanda contra o Irã muçulmano) antes consideradas obras do Grande Satã. A registrar: ninguém torceu para a Irlanda, ninguém deixou de ser muçulmano, ninguém suspendeu as rezas. O colapso do Taliban também retirou do cenário um enorme problema político internacional. Está começando o Ramadã, mês sagrado para os muçulmanos, período em que seria extremamente embaraçoso para os Estados Unidos e seus aliados internacionais manter os pesados bombardeios no Afeganistão. Todos os governos de países islâmicos que apoiavam os Estados Unidos já estavam alertando que o bombardeio durante o Ramadã espalharia protestos insuportáveis pelo mundo muçulmano. Por outro lado, do ponto de vista estratégico, seria um erro dar um alívio de um mês para o Taliban, sobretudo porque, depois do Ramadã, vem o rigoroso inverno que torna as operações militares extremamente penosas. Com o colapso do Taliban, o impasse desapareceu. Os bombardeios ficam agora restritos a pequenas áreas onde ainda operam as milícias do mulá e de Bin Laden. O fato de estarem confinadas numa região facilita o ataque por ar e por terra, mesmo no inverno. Enquanto isso, o resto do Afeganistão pode celebrar o Ramadã sem bombas. Eis aí. Não foi mais atentado em Queens, o Taliban ruiu, o impasse diplomático do Ramadã desapareceu do cenário, a guerra antiterror concluiu uma importante etapa. Escapamos várias vezes na semana passada. Sim, sim, ainda estamos longe do fim. Bin Laden não foi capturado nem julgado, o Taliban ainda vai incomodar como guerrilha, não será fácil instalar um governo estável no Afeganistão. Mas é preciso admitir que a situação mudou completamente da semana passada para esta. O assunto central agora é a reconstrução política e econômica do Afeganistão, a ser encaminhada pela legitimidade da ONU. Isso no lugar de uma guerra contestável. Se o ambiente político tornou-se mais confortável no mundo, idem para a economia. De novo, aqui também estamos longe do fim. Por exemplo: mal começou o combate à rede financeira de lavagem de dinheiro – onde se misturam os dólares das drogas, da corrupção e do terror. Mas por falar em ambiente econômico, também nesse lado escapamos de boa na semana. A reunião da Organização Mundial do Comércio realizou-se sem problema em Doha, no Qatar. Só isso já não foi pouca coisa. Comparem com os conflitos de Seattle dois anos atrás, que enterrou o encontro da OMC, e os mais recentes de Gênova, na Itália. E além de se ter realizado, a reunião da OMC avançou e lançou uma nova rodada de negociações para abertura do comércio internacional, desta vez favorecendo pleitos antigos dos países emergentes, Brasil incluído, e pobres. O fiasco de Seattle, onde ministros sitiados não conseguiram alinhavar sequer uma declaração vaga, foi inteiramente superado. Claro, temos pela frente três anos de difíceis negociações, mas os temas estão definidos e há prazo, janeiro de 2005, para sejam concluídas. Comparando isso com as sugestões de algumas semanas atrás, quando muita gente sugeria o adiamento da reunião de Doha para se evitar um fracasso explícito, de novo é preciso admitir que escapamos para um lado melhor. Eis aí, muita gente pode estar decepcionada, mas as coisas melhoraram. Publicado em O Estado de S.Paulo, 18/11/2001

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