NEO-PROTECIONISMO BRASILEIRO

. O ovo e a galinha  Na semana passada, o governo FHC decidiu que não vai cumprir o cronograma que previa para 2001 a redução de três pontos percentuais nas tarifas de importação cobradas de países de fora do Mercosul. O Ministério da Fazenda e o Banco Central pretendiam manter o cronograma, mas prevaleceram argumentos dos ministérios do Planejamento e do Desenvolvimento. Foram três esses argumentos: não perder arrecadação; dar tempo para a realização de reformas que melhorem o ambiente de negócios no Brasil; e guardar munição, a barreira à importação, para futuras negociações de livre comércio com os Estados Unidos. À primeira vista, parecem bons argumentos. Olhando mais de perto, nem tanto. Calcula-se que a redução das tarifas poderia levar a uma perda de arrecadação do imposto de importação de pouco menos de R$ 3 bilhões. É dinheiro. Quase daria para pagar o mínimo de R$ 180 – e não está propriamente sobrando no orçamento da União. Tem lógica, mas aqui já aparece o primeiro problema. O imposto de importação deve ter mais a função de regular o comércio exterior – abrir, fechar – do que de arrecadar. Se a idéia fosse arrecadar, então seria o caso de tocar um imposto de importação alto o suficiente, digamos, 100%, para financiar as contas públicas. Só que isso reduziria as importações drasticamente, de modo que não se arrecadaria nada. Restariam apenas os malefícios de impostos elevados, que são dois. Primeiro, encarecem a vida do consumidor, que paga mais caro por tudo que é importado e que não é apenas badulaque de luxo. É trigo, petróleo, fertilizantes e por aí vai. E, segundo, reduzem a eficiência da economia local, pois encarecem a importação de máquinas, insumos e tecnologia. Ou seja, o imposto de importação deve ser baixo e não elevado. O fato de se precisar do dinheiro desse imposto, neste momento, apenas mostra a má qualidade do ajuste das contas públicas, obtido basicamente com aumento de arrecadação. O que nos leva ao segundo argumento, dominante na área do Ministério do Desenvolvimento. O seguinte: a maior abertura da economia brasileira deve ser precedida de três coisas: reforma tributária, redução da taxa de juros e, em menor escala, reforma trabalhista. Sem isso, as empresas brasileiras continuam trabalhando num ambiente hostil, pagando mais juros e mais impostos que as companhias dos países concorrentes. Isso é verdade. Portanto, precisamos mesmo das reformas. Para completar o quadro, ministros disseram que o governo vai se empenhar para realizar a reforma tributária no próximo ano. Mas é a quarta vez que faz essa promessa nos últimos quatro anos. A reforma da legislação trabalhista – de modo a reduzir os custos de produção – também está na pauta, digamos, teórica do governo, mas na prática não acontece nada. Dados os antecedentes, é preciso admitir que são fortes as chances de as reformas também não saírem no próximo ano. E se não saírem em 2001, tchau e benção, porque 2002 é ano de eleição presidencial e vai ficar tudo por conta das campanhas. Assim, cabe a questão: e se as reformas não forem aprovadas? Adia-se a abertura, é o que se depreende dos argumentos anteriores. E com isso caímos na história do ovo e da galinha: o que deve vir antes, a abertura ou as reformas? Parece que resposta certa é reformas, porque sem elas as companhias brasileiras seriam jogadas numa competição em desvantagem. O diabo é que tal postura tende a se transformar numa proteção eterna. Eis como: você condiciona a abertura a reformas que sabe que não serão feitas. Ou a reformas que o próprio governo sabota ou simplesmente deixa paradas, como aconteceu com a reforma tributária. Isso torna interessante o viés contrário de abordar o assunto: a abertura deve ser feita porque ela força a realização das reformas. Isso é um risco, mas faz sentido. Os empresários locais e muitos amigos reclamam que a abertura da economia brasileira, nos anos 90, foi feita de forma abrupta, quando as companhias locais ainda não estavam preparadas. Mas durante anos e anos se adiava a abertura com esse pretexto. Imposto o choque da abertura, o que se viu? As empresas brasileiras correram atrás e entraram num duríssimo mas altamente proveitoso processo de reformas e ganhos de produtividade e de eficiência. Muitas caíram pelo caminho, mas no geral a economia brasileira tornou-se mais competitiva, mais contemporânea, oferecendo ao consumidor local produtos de maior qualidade e a preço menor. Se o choque não tivesse sido imposto, as empresas até hoje estariam despreparadas. Por outro lado, é verdade que a nova rodada de ganhos de produtividade já não depende tanto das empresas e sim de reformas institucionais.  A opção, portanto, é a seguinte: manter a economia fechada enquanto se esperam reformas (difíceis ou mesmo improváveis); ou avançar na abertura, ainda que gradualmente, de modo a criar constrangimentos para a realização das reformas. Observe que a situação atual é boa para muita gente: as empresas pagam muitos impostos, juros e encargos salariais, mas isso é compensado por tarifas de importação que reduzem a competitividade dos importados; os sindicatos mantêm a situação atual e também evitam a competição; o governo não precisa fazer nada, é só deixar rolar o ajuste garantido com impostos elevados. Ninguém corre riscos. Quem perde? O consumidor, que paga mais caro por produtos de pior qualidade. E o país em geral, que perde a oportunidade de crescer mais depressa, que seria a consequência de uma abertura maior. Mas essas perdas são de coisas que não acontecem. Estamos falando de ganhos que poderiam ocorrer caso fossem feitas tais e tais coisas – e isso não é visível a olho nu. Essas mudanças dependem de lideranças que consigam vislumbrar o futuro e se sintam estimuladas a convencer os outros disso. O presidente FHC exerceu esse tipo de liderança com o Plano Real e a primeira fase das reformas, mas parece que se cansou dos embates. Assim, é forte a possibilidade de ficar tudo na mesma. Ou pior, com cada vez mais protecionismo. E a questão de manter barreiras para negociar com os EUA? Fica para a próxima. (O Estado de S.Paulo 11/12/2000)

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