NÃO SOBRA NEOLIBERALISMO, FALTA CAPITALISMO

. O que nos falta é capitalismo     
Antigamente era fácil. Capitalismo era o regime da propriedade privada dos meios de produção, do capital. Socialismo, a propriedade coletiva, administrada pelo Estado.     
Hoje, parece mais complicado. Michelle Bachelet elegeu-se presidente do Chile pelo Partido Socialista. Evo Morales, da Bolívia, pelo Movimento ao Socialismo. Sendo evidentes as diferenças entre uma e outro, resulta que ?socialismo? não designa nada nesses dois casos.  Designará alguma coisa em algum lugar no mundo? A resposta é não, e a explicação, simples: o socialismo acabou, como realidade e como utopia.     
Sobrou apenas o capitalismo, mais ou menos avançado, bem ou mal praticado. As utopias que restaram do socialismo visam apenas ao que se poderia chamar de melhoramento social do capitalismo. O Partido Comunista da China diz que está implantando lá a economia socialista de mercado. Os europeus falam há muito tempo de economia social de mercado. E por aqui na América Latina já se pensou numa economia popular de mercado. O objetivo, sempre, é dar uma desculpa pela adesão ao regime que se considerava exclusivo dos ricos.     
Já capitalismo continua fácil de entender: é o regime da propriedade privada das fábricas, do capital e da terra, o sistema da livre iniciativa e das liberdades pessoais. Mas continua difícil de praticar, em boa parte por razões culturais. Amplamente dominada pela antiga esquerda socialista, a intelectualidade ocidental cravou a opinião de que o livre mercado, deixado solto, conduz à injustiça de uns serem ricos, outros pobres. Assim, é preciso corrigir o mercado com a intervenção do estado.     
É o que distingue hoje os regimes, a maior ou menor intervenção do Estado nas relações econômicas. E aqui a contradição: a cultura dominante sugere que quanto maior a intervenção, mais justo o regime; a prática mostra que quanto menor a intervenção, maior a capacidade de crescimento, isto é,  a capacidade de gerar renda e emprego.     
O Chile é o mais capitalista dos países da América Latina. A presidente Bachelet vai chefiar o quarto governo seguido da ?Concertação?, frente que reúne os Partidos Socialista e Democrata Cristão e outros menores. A política econômica se baseia no ajuste permanente das contas públicas (superávits há anos), metas de inflação (abaixo dos 3% anuais), câmbio flutuante, ampla privatização e enorme abertura ao comércio externo, com as mais baixas tarifas de importação.     
O Chile tem acordos de livre comércio com os EUA, União Européia, China e Índia, é associado ao Mercosul. Globalizado, prepara-se para abancar ainda mais. Por exemplo: é meta do governo que, dentro de 15 anos, todos os chilenos sejam fluentes no inglês. E, recentemente, o governo introduziu um projeto piloto com o ensino de mandarim, o idioma oficial da China, em escolas públicas. A idéia é torna-lo obrigatório.     
Bachelet não pretende mudar nada disso. Então, de onde viria seu socialismo? Dos objetivos de ampliar os programas sociais, incluindo os de proteção ambiental. Não é socialismo, claro, é apenas isso mesmo, preocupação social.     
Já Evo Morales não tem a menor idéia do que vai fazer. Obviamente despreparado para assumir o governo, ele encontrou-se primeiro com Hugo Chavez e Fidel Castro, para esculhambar o capitalismo e os EUA e prometer estatizações, mas também veio ao Brasil dizer ao padrinho Lula que vai proteger os ?bons? investimentos privados, inclusive os brasileiros.     
Eis aí, Lula, cuja eleição em 2002 deflagrou a onda vermelha, transformado em fiador dos investimentos privados. É engraçado.     
Tudo considerado, ficamos assim: o que gera riqueza é o capitalismo e ponto final. Mas ainda persiste, por toda parte, o entendimento de que é preciso intervenção do Estado para corrigir as injustiças do capitalismo ? e isso é a esquerda de hoje.     
O problema é que essa boa intenção coincide com a velha fisiologia, a prática de setores privados de ocupar o Estado para obter privilégios. O resultado é que as intervenções e regulamentações do Estado tendem a gerar ineficiência e injustiça. Pensaram no Brasil? Acertaram. Não sobra neoliberalismo. Falta  capitalismo. Publicado em O Globo, 19/janeiro/2006.

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