NÃO PRECISA FAZER, BASTA ANUNCIAR

—-Como as obras vão ficando mais caras muito antes de ficarem prontas?—

Corria o ano de 1978 e o grande debate nacional era sobre a lei de anistia, que indicava o começo do fim do regime militar. Na economia, a discussão era igualmente intensa: como o país deveria reagir à crise internacional? Outro ponto, porém, chamava a atenção: onde construir o novo aeroporto de São Paulo, destinado a ser o principal do Brasil e da América do Sul?
Viracopos, em Campinas ? foi a resposta dada pelo então ministro da Aeronáutica, Délio Jardim de Mattos, em entrevista nas páginas amarelas de Veja, a mim concedida. Mas Campinas está muito longe de São Paulo ? tal era a objeção que todos faziam. Isso já foi estudado, tem solução fácil e já encaminhada, garantia o ministro.
Qual? Adivinharam, o trem rápido para São Paulo. Como verificam os leitores, não é de hoje que os governantes garantem projetos e obras que depois ficam rodando por aí. No caso, o novo aeroporto acabou sendo o de Guarulhos, também com a garantia de um trem fazendo a ligação com o centro de São Paulo. Viracopos, hoje, está de novo nos projetos do governo federal para se tornar o maior aeroporto da América do Sul ? 33 anos depois! ? e o trem evoluiu. Agora é um trem de alta velocidade, estado da arte, e que ligará o aeroporto a São Paulo e daqui até o Rio ? esse mesmo cuja licitação acaba de fracassar.
Se é para não fazer, melhor projetar uma coisa grande , não é mesmo? Não faz do mesmo jeito, mas o anúncio dá muito mais propaganda. Aliás, os diversos anúncios.
Este projeto é mais recente. O governo Lula começou a falar disso em 2007. Em janeiro de 2008, anunciou que o trem bala seria licitado em março de 2009. Seis meses depois dessa data, em agosto de 2009, novo anúncio, agora mais ambicioso, ou seja, com mais propaganda: o edital sairia em outubro de 2009, o contrato em janeiro de 2010 e o trem começaria a rodar no início de 2014, a tempo da Copa. Nessa época, custava em torno dos R$10 bilhões ? o número redondo indicando que se tratava de uma, digamos, suposição.
Foi também em 2007 que o governo Lula anunciou pela primeira vez a refinaria de petróleo Abreu e Lima, a ser construída em Pernambuco por uma associação entre a Petrobrás e a venezuelana PDVSA. Ficaria pronta em três anos e custaria cerca de US$ 4 bilhões.
A refinaria foi ?inaugurada? várias vezes por Lula e Hugo Chávez: no projeto, no memorando de intenção, no acordo em princípio, na placa do início da terraplenagem.
Só que a PDVSA simplesmente ainda não entrou no negócio. Não formalizou sua participação, não colocou dinheiro e está duvidando das contas da Petrobrás, que garante ter feito 35% da obra, aplicando cerca de R$ 7 bilhões.
No intervalo, a data de inauguração foi empurrada para frente e o preço já pulou de US$ 4 para US$ 14,4 bilhões.
Como o trem bala, que ficaria pronto para a Copa e, agora, nem para a Olimpíada, e isso se tudo estivesse dando certo. E o preço, do governo, já saltou para R$ 35 bilhões, considerado subestimado pelas companhias privadas nacionais e estrangeiras interessadas no negócio.
Se isso não é improvisação, o que seria?
O ainda diretor do Dnit, Luiz Antonio Pagot, em depoimento no Congresso nesta semana, apresentou outra reposta para essa ampliação dos prazos e, sobretudo, dos preços: ?mudança de escopo?.
Sabe como é, no andar do projeto o pessoal verifica que faltou um trecho, que se poderia ampliar a capacidade, mais uma mão de tinta ? e pronto, o preço triplica. Novo escopo, novo preço, novas licitações, e assim vai.
Tudo considerado, há uma mistura de improvisação, incompetência técnica, corrupção e … propaganda.
Sabe-se como a propaganda é importante para a política. E sabe-se que uma das maiores habilidades de um governante é escapar de desastres. No caso de planos cujos objetivos não são realizados, a receita é direta: lance um novo plano, ainda mais ambicioso.
Um milhão de moradias no primeiro lançamento do Minha Casa Minha Vida. Não deu? Pois agora são dois milhões. Não saiu o trem Campinas/S.Paulo? Pois agora é Campinas/S.Paulo/Rio e de alta velocidade.
Por essas e outras, Lula conseguiu realizar tarefas que pareciam difíceis, inclusive a eleição de Dilma Roussef. E ainda convenceu boa parte das pessoas que se tratava de profissional e política muito competente, especialmente para tocar obras como o trem bala.

Publicado em O Globo, 14 de julho de 2011

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