AS REFORMAS DA ERA FHC

. Artigos REFORMAS DE MAIS OU REFORMAS DE MENOS? E então, tivemos reformas (e privatizações) de mais ou de menos no governo FHC? A maioria das pessoas provavelmente optará pela primeira alternativa. O próprio presidente tem dado indicações de que pensa assim. Alguns de seus mais próximos colaboradores têm dito com todas as letras: acabaram-se as reformas, é hora de governar. Há algo de estranho aí. Quer dizer que fazer reformas não é governar? Mas, enfim, é esse o estado do espírito do pessoal do governo ou de sua maior parte: o serviço pesado, desgastante e nem sempre, digamos, elegante, de fazer reformas está feito; agora vamos curtir esse crescimento até o final do mandato. Na verdade, nem todos acham que o serviço esteja concluído. Há um grupo – no qual se inclui o próprio Fernando Henrique – para o qual ainda há muitas reformas a fazer, mas já não existem condições políticas para isso. Entende essa ala que há uma “fadiga de reformas” na sociedade e, em consequência, na base aliada no Congresso. Assim, paciência, fica para o próximo governo. Bem vista a situação, há uma fadiga de reformas no próprio governo. Mas dá na mesma. Para uns, as reformas foram numerosas e além da conta (e aqui se incluem os tucanos mais à esquerda que nunca se conformaram com esse programa). Para outros, o ímpeto reformista do governo FHC foi poderoso, mudou a cara da economia e da sociedade brasileiras, mas já deu o que tinha de dar. Apóia esse estado de espírito o fato de que a economia está de fato em crescimento. Se não houver nenhum desastre externo – e o petróleo, o problema mais visível, já não causa tanto dificuldade quanto no passado – o país cresce uns 4% neste ano e um pouco mais nos dois anos seguintes. Assim, temos um governo que passou por duas crises internacionais graves e diversas locais, trabalhou com uma base parlamentar instável e sem nenhuma consistência ideológica e, ainda assim , privatizou como poucos no mundo, enfileirou inúmeras reformas constitucionais, acabou com a inflação, obteve o equilíbrio das contas públicas, achou um sistema cambial eficiente, conseguiu avanços expressivos na educação, colocou milhões de crianças nas escolas e ainda entrega o país em crescimento. Queriam mais o quê? – poderia dizer o presidente se não fosse um intelectual educado. Mas é o que ele está sentindo. É certo, de todo modo, que o presidente FHC já marcou seu lugar na história brasileira, nas filas da frente. Mas se isso for tudo, então o Brasil é um país de futuro medíocre. Continuam a existir imensos obstáculos ao desenvolvimento. Apesar de todos os avanços, a Previdência continua sendo um imenso buraco nas contas públicas; a atividade econômica das empresas e das pessoas é obstruída por um sistema tributário pesado e penoso, que leva à informalidade; o capital para investimento é escasso e caro; o consumo a crédito é caro e seletivo; a legislação trabalhista deixa mais da metade dos trabalhadores sem carteira assinada e sem previdência, uma conta futura; essas informalidades causam ineficiência geral na economia, impedem a absorção de novas tecnologias; muitas empresas e bancos estatais continuam sorvendo dinheiro público; e há setores cruciais para o bem estar, como saneamento, que permanecem nas mãos de governos sem dinheiro para investimentos; a maior parte do gasto público vai para os menos pobres. Em resumo, o Brasil pode crescer 4% ou 5% por alguns anos, mas isso é pouco para um país que precisa dobrar sua renda per capita para alcançar um nível de vida razoável. Ou seja, as reformas e as privatizações foram de menos. Não há como escapar disso. Não há nenhuma dúvida, por exemplo, de que o déficit da Previdência é uma imensa conta espetada nas atuais e futuras gerações. O déficit do INSS apenas parou de crescer, mas tem data marcada para voltar à ativa: 2010. O déficit previdenciário do setor público apenas cresce mais devagar e isso por motivos insustentáveis a médio prazo: arrocho salarial e redução de quadros. Não há uma pessoa sequer que considere fácil abrir empresas e tocar negócios no Brasil. Todo mundo sabe que o equilíbrio das contas públicas foi obtido às custas de aumento de impostos ruins. Não há uma pessoa sequer satisfeita com os serviços públicos. E por aí vai, isso tudo deixando muito claro que há muito por fazer, muito por reformar. Ora, se é verdade que há também uma “fadiga de reformas”, então estamos muito mal parados. Algo assim como está uma droga, mas melhor que antes e mais que isso não dá. Tome-se o caso da taxa de juros. Está caindo, é a menor de muitos e muitos anos, mas a menorzinha é de 16,5% ao ano, alguma coisa entre o dobro e o triplo do que é nos demais países emergentes. E por falar nisso, todos os emergentes, exceto a Argentina (que está ferrada sabemos bem por que), crescem mais que o Brasil. E não é pouco, é muito mais. Isso é um outro lado da história: a conjuntura internacional, com crescimento forte nos Estados Unidos e Europa, e com o Japão ensaiando uma recuperação, é amplamente favorável à expansão dos países emergentes. Os outros estão aproveitando a oportunidade melhor do que o Brasil. E aí, fica por isso mesmo? Na verdade, essa história mostra o tamanho do buraco em que nos metemos. Subimos, subimos, sangramos as mãos na escalada, e não chegamos ao topo. Chegaremos? Publicado em O Estado de S.Paulo – 18/09/2000

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