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Não há salário justo. Nem investimento Quando o governo aplica dinheiro em programas sociais, distribuindo Bolsa Família ou Bolsa Escola, isso é gasto ou investimento? Investimento, ensinou o presidente Lula na semana passada. Isso porque a pessoa beneficiada, ?bem nutrida?, ?vai se transformar em consumidor, em trabalhador?, isso representando um benefício para a economia nacional, disse o presidente.
Essa teoria econômica, digamos assim, justifica também aumento expressivo para o salário mínimo. Igualmente, faz do beneficiário um consumidor com maior poder de compra.
Vale também, pela lógica, para aumentar os salários dos juízes do Supremo e dos parlamentares federais para R$ 24.500, até com mais razão. Esse dinheiro constitui consumidores que podem comprar automóveis, geladeiras, viajar de férias, adquirir apartamento de praia, sair mais à noite, movimentando amplos setores da economia, da indústria aos serviços de lazer e turismo, todos geradores de empregos.
Mas qual seria o primeiro efeito de tal ampliação de ?investimentos?? Uma explosão da despesa pública, cujo resultado, de sua vez, seria inflação, seguida de mais impostos e desestabilização da economia.
Ou seja, a teoria de Lula não funciona. É claro que não foi o presidente o primeiro a apresentá-la. Trata-se de um argumento levantado por todos aqueles que demandam um gasto público, seja para um hospital, seja para salários ou aposentadorias. É também como empresários justificam o dinheiro barato que recebem do governo. Não é um privilégio, mas um investimento no desenvolvimento econômico, dizem.
O mesmo raciocínio aparece quando muita gente, incluindo membros do atual governo, critica o FMI por incluir investimentos em infraestrutura no item despesa pública. Uma hidrelétrica, por exemplo, antes mesmo de gerar energia já está gerando empregos e atividade econômica e, pois, impostos, dinheiro que volta para o governo.
Tudo parece muito bem, mas acontece que, infelizmente, não há diferença entre o real gasto no cafezinho do presidente e o real aplicado no Bolsa Família. Em qualquer caso, é dinheiro do governo, obtido via impostos. Por mais nobres que sejam os gastos, precisam guardar um equilíbrio com as receitas, isto é, com o dinheiro que o governo toma das pessoas e das empresas.
Portanto, a questão simples é saber se há dinheiro para cobrir o gasto ou o investimento, preservando-se o equilíbrio das contas públicas e as necessidades do momento ? como a necessidade atual do setor público de fazer economia (superávit primário) para pagar a conta de juros.
Tudo considerado, quando o presidente Lula justifica o gasto social com argumentos econômicos e morais, quando o ministro José Dirceu afirma que é preciso melhorar o serviço público (com mais funcionários, ganhando mais) o que eles estão dizendo é que vão aumentar impostos. Se não fizerem isso ? e como também não pretendem privatizar nada ? vão aumentar o déficit público ou então simplesmente não vão fazer os gastos públicos que estão prometendo.
Juízes
Este mesmo tema foi examinado aqui na semana passada. Com o título ?Salário Justo??, o artigo tratava da proposta de aumento dos vencimentos de juízes do Supremo e dos deputados federais e senadores.
Vários magistrados enviaram emails de protesto. Resumo aqui seus argumentos, já com as respostas, entre parêntesis:
. juízes trabalham muito, até dez horas por dia, de modo que devem ganhar bem. (Mas milhões de brasileiros, servidores públicos ou não, igualmente trabalham dez horas por dia. E milhões em serviços mais pesados);
. o salário dos juízes do Supremo não é de R$ 19.500, pois descontam previdência e imposto de renda. (Todo trabalhador paga. O do setor privado com alto salário paga menos INSS, mas recebe aposentadoria menor);
. Judiciário é importante para a democracia, por isso os juízes precisam ter vencimentos razoáveis. (mas aqui, me desculpem, vou defender o meu: a imprensa também é importante para a democracia, logo…);
. é importante fixar na lei o salário dos juízes do Supremo como o teto do funcionalismo, pois hoje há inúmeros funcionários que ganham muito mais que R$ 19.500 mensais. (sim, é importante fixar um teto para o funcionalismo, mas não decorre daí que esse teto precisa ser de R$ 24.500 em janeiro de 2006, como propõe o projeto de lei encaminhado pelo Supremo).
Em resumo, assim como não há gasto público justo, também não há salário justo. O vencimento do funcionário público ? de todos eles ? depende de quanto a sociedade quer e pode pagar de impostos.
Pode-se dizer também que todo gasto público é justo, quer seja para remunerar funcionários dedicados, como é a grande maioria, quer seja para distribuir bolsas, quer seja ainda para construir obras úteis à população. E se todo gasto é justo, esse não é o critério para distribuí-lo.
O problema continua sendo o vil metal. Quanto arrecada, quando pode gastar, onde e com quem gastar. Publicado em O Estado de S.Paulo, 14 de março de 2005