DITADURAS E CRESCIMENTO ECONÔMICO

. Ricos Ou livres?     
Não se trata de saber se o êxito econômico do Chile atenua o terror imposto por Pinochet. Não atenua, mesmo que o Chile fosse hoje o país mais rico do mundo. Se a receita de crescimento para países pobres fosse suprimir as liberdades e assassinar os adversários, isso seria a prova final da inviabilidade dessas nações. Teríamos que ser ou ricos ou livres?     
A história mostra, porém, todas as combinações. Para ficar nos opostos: há países ricos e livres, assim como ditaduras pobres. E há, sim, ditaduras que conseguiram bons resultados econômicos, isso medido pelo aumento da renda per capita e pela redução dos níveis de pobreza.     
China, está na cara. Mas também a Coréia do Sul alcançou grau elevado de riqueza com regime autoritário. Nos dois casos, existiu uma decisão explícita ou implícita tomada pelas lideranças: primeiro, crescer rápido e aumentar o bolo, depois distribuir e implantar a democracia, se for inevitável. Até aqui, foi na Coréia, em consequência da pressão por salários e votos, exercida por trabalhadores e classes médias formadas no processo de crescimento.     
A política econômica escolhida nesses casos funciona melhor e, não raro, só funciona com regimes autoritários. São aquelas políticas baseadas em acumulação acelerada e exportação, o que exige salários baixos, trabalho intenso e pouco consumo interno, de modo a sobrar excedentes e poupança para novos investimentos. Na China, hoje, a poupança equivale a 40% do Produto Interno Bruto. Na Coréia, já democrática, 29%. No Brasil, 20%.     
Não é possível aplicar essa política com sindicatos, partidos políticos e imprensa livres. Amplas parcelas da população não aceitariam tamanho sacrifício imediato, e dificilmente seriam convencidas de que esse seria o caminho do crescimento. Resta o paradoxo chinês: um partido comunista, supostamente controlado pelos trabalhadores, empenhado em implantar um capitalismo autoritário. Mas que, de fato, todo ano traz para as novas cidades e retira da pobreza milhões de pessoas que viviam no campo miserável.     
No Chile de Pinochet, o regime econômico passou por diversos momentos. No início, a partir de 1973, tratou-se inicialmente de desmontar o sistema estatizante e populista que o governo socialista havia tentado introduzir. O país já estava parado, em forte crise, e a isso se acrescentou a recessão mundial de meados dos anos 70, que derrubou praticamente todos os emergentes.     
Os salários desabaram, o desemprego chegou perto dos 40%. Não fosse a ditadura sangrenta, o governo teria caído. Prosseguiu com a introdução das reformas pró-mercado, incluindo a polêmica privatização da Previdência. Deu uma melhorada e entrou de novo em recessão no início dos anos 80, de novo sob influência de crise internacional. Isso superado, aí sim a nova economia chilena engrenou: aberta, integrada ao mundo, livre mercado, forte estímulo ao empreendedor privado, mas mantendo a maior fonte de riqueza nacional, o cobre, sob controle estatal. E com parte de suas receitas carimbada para as Forças Armadas ? o regime não era militar por acaso. De todo modo, o país começou a crescer aceleradamente, ganhou renda.     
Na primeira eleição livre, depois que Pinochet perdeu o plebiscito, Patricio Aylwin, da coligação democrata-cristã/socialista, venceu Hernán Buchi, candidato do regime e que havia sido ministro da Economia nos últimos anos. Perdeu, mas fez 40% dos votos.     
No primeiro governo civil, o ministro da Economia foi Alejandro Foxley, atual chanceler, que declarou então, em 1999: ?Podemos não gostar do governo anterior, mas eles fizeram muitas coisas certas. Herdamos uma economia que é um ativo?. Não reverteram as reformas, nem mesmo a da Previdência ? embora agora o governo esteja tomando medidas para consertar desequilíbrios gerados. Mantidas as bases, a economia chilena não só preservou a capacidade de crescer, como acelerou a expansão, já agora com a introdução de programas sociais e medidas favoráveis à distribuição de renda e aumento de salários. Esses são os fatos. A pergunta: teria sido possível chegar a tais resultados econômicos sem a ditadura? Naquelas circunstâncias e naquela velocidade, não. Mas isso não quer dizer que o único caminho seja o chileno, nem mesmo que seja recomendável. Apenas aconteceu assim.     
É possível tirar um país da pobreza em regime democrático. Exemplo: Espanha. E considerada a maturidade das decisões políticas chinesas na redemocratização, é possível imaginar que o Chile teria conseguido feito semelhante. É possível também que um regime militar atire o país no desastre econômico. Brasil e Argentina, claro.     
Voltaremos ao assunto. Publicado em O Globo, 14 de dezembro de 2006     
    
        

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