. No atual regime de política monetária, o Banco Central não define a meta de inflação. Ele deve cumprir uma meta fixada pelo governo. Mas o que acontece se o BC perceber que não vai dar?
É isso que ocorre hoje em vários países. A inflação está rodando bem acima das metas, de modo que nem mesmo uma dose cavalar de juros poderia ajustá-la. Mataria antes a atividade econômica.
Nesse situação, alguns BCs estão solicitando aos seus governos que aumentem o tamanho do alvo. Em geral, a justificativa diz que a inflação vigente é importada e decorre de um choque mundial no preço de energia e alimentos, de modo que os BCs locais não têm culpa. Nem como combater um inimigo de fora. Logo, só resta aumentar a meta.
É um argumento apresentado também por aqui. Muita gente não está gostando do ciclo de alta de juros iniciado pelo BC brasileiro em abril e que, parece, ainda vai mais longe. O presidente do BC, Henrique Meirelles, disse na semana passada que a instituição continua mirando no centro da meta, uma inflação de 4,5%, medida pelo IPCA, índice do IBGE.
Mas não seria novidade ajustar o alvo. O atual regime foi introduzido no Brasil em 1999 e por duas vezes já o BC recorreu ao expediente de alargar a meta.
Em 2003, por exemplo, a meta era de 4%, com tolerância de 2,5 pontos para cima ou para baixo. No ano anterior, em consequência da crise de confiança com a eleição de Lula, a economia fora abatida por forte instabilidade e a inflação chegara a 12,5%. Considerando-se impossível recuar desse nível para 6,5% em um único ano, a meta foi ampliada para 8,5% – e ainda assim não deu. Terminou com inflação de 9,3%.
Em 2004, a meta também foi ampliada, desta vez para 5,5% – e, de novo, saiu com desvio. A inflação bateu 7,6%. Mas nos três anos seguintes, a meta, de 4,5%, foi sempre atingida, utilizando-se as margens de tolerância, agora de dois pontos a mais ou a menos.
Tudo considerado, pode-se dizer que o regime de metas amadureceu durante o governo Lula e na gestão de Henrique Meirelles. De 2003 para cá, tanto a inflação quanto a taxa de juros estão em evidente queda. E o país tem crescido mais.
Tome-se a taxa básica de juros. Chegou a um pico de 26,5% em fevereiro de 2003. Depois de quatro meses de estabilidade, começou a cair até chegar a 16% em abril de 2004. Voltou a subir em setembro desse ano até bater em 19,75%.
Ficou nesse patamar por quatro meses. Em setembro de 2005, o Copom iniciou um longo período de queda. Em dois anos, a taxa básica caiu 8,25 pontos. Chegou a 11,25%, a mais baixa da era do real.
Permaneceu sete meses nessa faixa e voltou a subir em abril deste ano, para 11,75%. Subiu de novo na semana passada para 12,25%.
O retrospecto: dois ciclos de alta. O atual é o terceiro. O primeiro durou dois meses. O segundo, oito meses.
Foram dois ciclos de queda. No primeiro, 10 meses. No segundo, 24 meses.
Pode indicar um padrão: os ciclos de alta são mais curtos e mais fortes. Os de baixa, mais longos. Talvez seguindo aquele ensinamento: a maldade se faz de uma vez a bondade, aos poucos.
De todo modo, reparem: os picos são cada vez menores (26,5%, 19,75% e talvez 14% agora) e os pisos, cada vez mais baixos (16% e 11,25%).
Portanto, claramente a coisa está funcionando. O cenário de consenso para este ano aponta para inflação de 5,5% (na margem de tolerância) com a taxa de juros chegando a 13,75% em dezembro e o PIB crescendo 4,7%. Para 2009, um pouco menos de tudo: inflação de 4,6%, juros de 12,5% e crescimento de 4%. (Esqueça o detalhe dos números, registre a tendência esperada: uma desaceleração em relação a 2007, com um pouco mais de inflação, em linha com o que acontece no resto do mundo).
E se for assim, não há razão para alterar a meta de 4,5%. Eventuais sustos podem ser acomodados no intervalo de tolerância (de 2,5% a 6,5%). Além disso, embora a inflação brasileira seja certamente provocada pelos preços internacionais de alimentos, petróleo e demais comodities, também sofre com fatores internos ? no essencial, o consumo bastante aquecido.
Caso Varig
As dificuldades de uma grande companhia privada são ou não problema do governo?
Na teoria, não. Empreendimentos privados devem se resolver na esfera privada. Se o empresário tocou mal o seu negócio, se os executivos destruíram a empresa, o problema é deles e de seus credores e clientes. Se não conseguem resolver, recorrem aos tribunais.
Na prática, não é bem assim. Quanto maior a empresa, quanto mais significativa para o país, maior será a probabilidade de o governo entrar no caso.
É o caso da Varig. Em qualquer país, o governante se interessaria pelo destino da empresa. Ainda mais sendo uma companhia que atuava em setor regulado e controlado pelo governo.
Seria razoável, do ponto de vista político, que o governo tentasse administrar a derrocada da Varig. Sobretudo por causa das centenas de milhares de trabalhadores diretos e indiretos, pensionistas e passageiros. E ainda mais porque o governo tinha créditos tributários a receber e porque a empresa reclamava, de sua vez, indenizações do governo.
O problema, como sempre, é o método.
Uma ação pública, conforme regras claras, passa bem. E é para isso que se inventou ? no mundo ? o sistema de agências reguladoras, independentes do governo do momento.
Isso para evitar que os governantes de plantão favoreçam um grupo privado ou colaborem com o loby de amigos do rei. Mesmo que não tenha havido roubalheira no caso Varig, mesmo que tudo tenha sido feito com a intenção de salvar uma companhia relevante ou minimizar os prejuízos, a ação seria ilegal e anti-ética. E abriu espaço para roubalheira.
Publicado em O Estado de S. Paulo, 09 de junho de 2008