MERCADOS E CRISE DE CONFIANÇA

. Os mercados estremecem     
Demorou, mas caiu a ficha no mercado financeiro. Cerca de dois meses depois de iniciada a crise política, investidores locais e internacionais agiram com o cacoete típico dos momentos de instabilidade: compraram dólares e venderam ações. O movimento mais forte ocorreu na última semana de julho, curiosamente depois de um fim de semana sem nenhuma novidade no farto noticiário da corrupção. O que teria havido?     
A súbita mudança de tendência teve a ver com a participação dos estrangeiros. Durante as três primeiras semanas de julho, esses investidores continuaram trazendo dólares para comprar ações, ignorando a onda de denúncias, por entender que o presidente Lula e a política econômica do ministro Antonio Palocci passavam ao largo da crise. De repente, e é sempre assim, prevalece a desconfiança de que algo pode dar errado. Inicia-se um movimento no mercado e logo segue a manada.     
Investidores institucionais têm um sistema de defesa que limita quanto se pode se pode perder dinheiro em um país emergente. Depois desse valor, a  ordem é sair da posição a qualquer custo, o que leva, por exemplo, a vender ações na baixa e comprar dólares na alta. Aconteceu mais uma vez.     
A ironia é que o noticiário tem estado positivo: inflação em baixa, expectativa de queda dos juros, superávit forte no comércio externo, desemprego em queda. Há, é verdade,  sinais de acomodação da atividade, mas com indicações de que o crescimento já é maior do que no primeiro trimestre. E o mundo lá fora continua com sobra de investimentos, atraídos pela estabilidade e, claro, pelo elevado patamar dos juros brasileiros.     
Apesar disso, o mercado financeiro reagiu à crise política, com motivos. Primeiro, porque a crise vem piorando semana a semana. Segundo, porque com a importante exceção do ministro Palocci,  o governo não consegue responder às denúncias ou colocar a administração para funcionar. E finalmente, porque o presidente Lula foi buscar apoio diretamente nos movimentos sociais, estratégia que exigiu um ataque às elites. Estas estariam de olho no impeachment de Lula, tal a versão que dirigentes do PT e das lideranças sindicais passaram a espalhar.     
A versão, entretanto, não é verossímil. De que elites se trata? Os empresários certamente não gostam dos juros do Banco Central, mas aprovam a combinação básica da política econômica. Querem mais Palocci com menos juros. As lideranças internacionais simplesmente adoram o presidente Lula, o maior líder da esquerda da América Latina e que administra a economia conforme os padrões aprovados pelo FMI. Das elites políticas brasileiras, boa parte delas participa do governo. Idem para as lideranças trabalhistas e sindicais, também elas integrantes das elites. Os partidos de oposição, PSDB e PFL, dizem não querer o impeachment. Assim, quem quer derrubar Lula? As freguesas da Daslu? É provável, mas, convenhamos, não dá para ir muito longe com tal base. Por isso, o discurso antielites foi recebido com desconfiança. Seria desespero do governo? Falta de percepção? Estaria o PT, sentindo-se acuado, partindo para um tudo ou nada? Essas perguntas estão na origem a origem da instabilidade nos meios econômicos. Uma relação direta com os movimentos sociais, se for para valer, exige mudanças radicais na política econômica. Eis um ponto interessante: a conspiração mais provável no momento é das esquerdas que nunca gostaram de Palocci e querem aproveitar o momento para fragilizá-lo. Ocorre que o presidente Lula sabe que a economia é o seu pilar de sustentação mais sólido. Inflação baixa, comida barata e desemprego em queda vêm sustentando sua popularidade. O pior momento do arranjo macroeconômico, com a escalada dos juros, parece ter ficado para trás. Mexer agora? Parece, assim, que Lula está se se encostando ao córner. Precisa atacar as elites para reforçar sua base popular, mas precisa também manter a atual política econômica, um movimento claramente contraditório. Não cola. Por enquanto, a reação dos mercados foi relativamente discreta. Ainda não há crise de confiança. Os investidores observam o ministro Palocci tomando uma serie de medidas coerentes e oportunas. As mais exemplares foram as respostas à corrupção e às suspeitas encontradas em empresas de sua área, o Instituto de Resseguros do Brasil e o Banco do Brasil. No primeiro caso, trocou toda a diretoria, antes loteada politicamente, agora técnica e promovendo reformas. No caso do BB, providenciou rápida substituição de diretores.     
E seguiu a rotina. Fixou meta de inflação adequada para os dois próximos anos, definiu a Lei de Diretrizes Orçamentárias com limites ao crescimento da receita e dos gastos, trocou títulos da dívida externa (alongando o prazo dos papéis), manteve o superávit primário das contas públicas, criou a Super-Receita (reunindo a Receita Federal e o órgão arrecadador do INSS), lançou medidas provisórias com redução de impostos e por aí foi.     
Eis por que a crise demorou a chegar ao mercado financeiro. E chegou pela mão do presidente Lula, ao embarcar em um discurso que procura colocar nas elites e na oposição a responsabilidade por uma crise que começou e cresceu no governo e no PT.     
Como esse discurso é só isso mesmo ? discurso  ? o impacto sobre os meios econômicos é limitado. Gera desânimo, baixa confiança, mas não um desastre. Por enquanto, a expectativa dominante é que, nessa linha, o governo Lula se arrasta até o final. Dependendo, é claro, da distância entre Lula e a máquina de corrupção. Quanto mais a distância encurtar, maior a crise de confiança. Publicado na revista Exame, edição 848, data de capa 03/agosto/2005

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