MÁ VONTADE COM O LIVRE COMÉRCIO

. Corpo mole com o livre comércio Com estímulo de diversos integrantes do governo Lula, especialmente do Itamaraty e do Ministério do Desenvolvimento, têm sido claramente negativas as reações ao início das negociações para a criação da Associação de Livre Comércio das Américas. No geral, a reação consiste em dar ênfase aos setores da economia nacional que serão prejudicados com o livre comércio. Pode até ser apenas uma tática, mas não parece. Há muita gente no governo e fora dele que prefere mesmo o sistema de proteção aos negócios locais. Assim, têm ficado em segundo plano as teses daqueles setores que vêem vantagens na Alca. E o consumidor, o que mais ganha com o livre comércio, esse está totalmente fora da parada. A proposta inicial dos Estados Unidos para o início das negociações foi condenada por unanimidade no Brasil. De fato, a proposta deixa o Brasil e o Mercosul no fim da fila. Os produtos que mais nos interessam têm justamente os prazos mais longos de redução de tarifas. Mas na semana passada, a Confederação da Agricultura e Pecuária no Brasil (CNA) apresentou um detalhado estudo para mostrar que a proposta americana, mesmo não sendo melhorada no curso das negociações, como deve ser, já permitirá um aumento entre US$ 7 bilhões e US$ 8 bilhões das exportações agrícolas brasileiras para os EUA, quando o bloco estiver completamente implementado a partir de 2015. Ou seja, mesmo a pior proposta americana não deve ser desprezada, tal é a conclusão. Também representantes dos setores têxtil e de calçados mostraram como podem obter sólidos ganhos com a Alca. O problema é que esse debate ganha contorno político-ideológico. Desde que o presidente Luís Inácio Lula da Silva disse, na campanha, que a proposta da Alca, tal como estava, era a “anexação” da América Latina pelos Estados Unidos, a saia ficou justa para aqueles setores que ganham com o livre comércio. São justamente setores dinâmicos, modernos, competitivos, como o agronegócio, mas que se tomam uma posição mais firme em relação à Alca podem ser acusados de traidores da pátria. É lastimável que seja assim. Se prevalece totalmente a linha nacional-protecionista, o Brasil corre o risco de ficar isolado nas Américas, para cujos países vão a maior parte das nossas exportações. Não tem importância, diz-se por aí, pois o país pode fazer acordos de livre comércio com outros blocos, como a União Européia. Bobagem, pois as mesmas restrições e problemas vão aparecer. No caso dos produtos agrícolas, por exemplo, se os americanos acenam com uma demorada redução de tarifas, os europeus, pressionados pelos franceses, não querem nem falar do assunto e, se obrigados a isso, pensam em prazos ainda muito mais longos. O fato é que as negociações brasileiras com todos os blocos, para o livre comércio, têm sido arrastadas. Começamos a discutir com a União Européia antes do México. O México já tem acordo e a gente continua conversando. Há claramente uma falta de vontade em acelerar as negociações pois sempre prevalecem os interesses dos setores que temem a concorrência. Além de prevalecer um viés nacionalista, mas daquele nacionalismo tacanho que só traz prejuízos econômicos. Na negociação com a Alca, o Brasil decidiu limitar e atrasar a apresentação de suas propostas. Tentou convencer os sócios do Mercosul a entrar na mesma estratégia, para negociar em bloco. Mas só a Argentina acompanhou o Brasil. Uruguai, Paraguai e Bolívia apresentaram todas as suas propostas. É óbvio: só o déficit do comércio externo americano, US$ 425 bilhões no ano passado, é quase do tamanho do Produto Interno Bruto brasileiro. Qual mercado você preferiria? Mais racionalidade e bom senso não fariam mal. A proposta americana é ruim, a negociação é difícil, o protecionismo é forte nos EUA, mas se, aqui no Brasil, já se chegou à conclusão que uma condição essencial para reduzir o risco país é ter um enorme volume de comércio externo, então a linha dominante deve ser a de buscar os acordos de livre comércio, não a de fazer corpo mole. Distribuição de renda O diretor-presidente do Ibmec Educacional, Claudio Haddad, mostrou em artigo no jornal Valor (27/02) alguns dados que dão o tamanho exato do problema da Previdência. Por exemplo: o Brasil gasta com aposentadorias 11,5% do PIB, quando na média dos países mais desenvolvidos (da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico, OCDE) se gasta 8,2%. Além disso, no Brasil apenas 8,6% da população tem mais de 60 anos, enquanto na média da OCDE 12,5% dos habitantes têm mais de 65 anos. Ou seja, gastamos muito mais em termos proporcionais. Além disso, apenas no Brasil os gastos com aposentadorias em relação ao PIB são superiores ao percentual de idosos na população. Isso significa que a renda per capita dos aposentados, só com os proventos da aposentadoria, é superior à renda per capita do país. Em números, 34% superior, o que não tem paralelo no mundo desenvolvido, nota Claudio Hadad. As causas disso são as aposentadorias precoces e as aposentadorias dos servidores com salário integral, algo que também não existe nos países ricos. Observem: dos 11,5% do PIB gastos com aposentadorias, 6,8% correspondem ao INSS e 4,7% ao setor público. O valor médio no INSS é de R$ 389, equivalente a 2/3 do PIB nacional per capita. Já para os aposentados e pensionistas do governo federal, a média é de R$ 2.862, quase cinco vezes o PIB per capita. Este é o ponto principal da questão, conclui Hadad. Um outro estudo vai na mesma direção. Trata-se do trabalho do professor Rodolfo Hoffman, da USP e da Unicamp, citado por José Eli da Veiga também no Valor (25/02). O trabalho, a ser publicado na revista Economia e Sociedade, do Instituto de Economia da Unicamp, verifica que entre 1993 e 2001 melhorou consideravelmente a distribuição de renda entre os trabalhadores brasileiros, formais e informais (entre as pessoas ocupadas). Mas a distribuição de renda para o conjunto da população não melhorou. Como se explica? A resposta de Hoffman mostra que entre 1993 e 2001 houve forte concentração dos rendimentos dos inativos. Sua participação no total dos rendimentos subiu de 14% para 18%. Conclui José Eli da Veiga: “os esquemas de previdência dos servidores são parte ponderável da atual resistência à redução da desigualdade de renda”. Publicado em O Estado de S.Paulo, 03/03/2003

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