A CRISE PALOCCI

. Céu e inferno, economia e política      
Se as primeiras denúncias de Roberto Jeferson forem tomadas como o início da crise política que envolve o governo Lula, então é preciso admitir que o mercado financeiro não deu a menor atenção a ela. Em 30 de maio do ano passado, véspera das denúncias, a Bovespa havia fechado pouco acima dos 24 mil pontos. De lá para cá, exibiu uma vigorosa alta, chegou a bater no recorde de 39 mil pontos e, nos últimos pregões, tem oscilado entre  37 e 38 mil (37.577 na última sexta).     
Todos os outros indicadores financeiros melhoraram, risco Brasil e dólar caíram, embora, claro, não se possa dizer que dólar barato seja bom para tudo e para todos. De todo modo, a valorização do real indica que não há estresse.     
Não que o ambiente político tenha sido sempre absolutamente neutro. Tem provocado abalos e oscilações aqui e ali, mas pequenos e limitados no tempo. Isso porque firmou-se nos mercado financeiro e nos meios econômicos (ali onde circula o pessoal mais ligado ao chamado setor produtivo) a certeza de que, com Palocci ou sem ele, os fundamentos da política econômica não mudarão.     
Na verdade, até o caso do caseiro Francenildo Santos Costa, havia uma certeza anterior: Palocci não cai. Essa convicção não foi ameaçada nem quando o caseiro garantiu, na CPI, que vira o ministro na casa do lobby da ?República de Ribeirão?. Era palavra contra palavra, se dizia.     
O que complicou tudo foi a monumental estupidez do vazamento do extrato da conta de Francenildo. Se a gente, antes, tentasse imaginar qual a maior besteira que o governo Lula poderia fazer, certamente não se chegaria a essa idéia de violar o sigilo bancário e passar para a imprensa. Certamente, os autores da jogada ? que achavam genial ? pensaram que os depósitos na conta de Francenildo causariam tanto impacto e tanta desmoralização que a quebra ilegal do sigilo passaria batido, como fato secundário.     
Esse foi o grande equívoco. Mesmo que o caseiro não tivesse uma boa explicação para os depósitos, estava na cara que a violação do sigilo bancário, por funcionários da Caixa Econômica Federal, banco vinculado ao Ministério da Fazenda, seria tomada pelo que é: um escândalo para derrubar muitas cabeças.     
Considere-se a hipótese mais benigna para o governo: que um funcionário de escalão inferior, militante petista ou apenas querendo agradar os chefes, tenha tirado o extrato e, de sua iniciativa, enviado para a imprensa.     
Mesmo que seja isso, no mínimo o presidente da Caixa, Jorge Mattoso, tem de ser demitido. O ato de tal funcionário indicaria uma total falta de controle. Mostraria que, com a atual direção, um funcionário menor simplesmente acha que não será punido por cometer uma ilegalidade grave, na medida que tal ilegalidade ajuda o chefe e/ou seu partido. Claramente, exibiria um clima de liberou geral, a sensação de que, para fins políticos, pode tudo. O presidente da instituição é responsável por isso. Deveria demitir-se.     
Mas, provavelmente, é mais grave. É difícil imaginar que toda a operação tenha sido um ato individual. A sequência de reações das autoridades da Caixa sugere fortemente que estão tentando montar uma versão para salvar cabeças e aparências ilustres. A suspeitíssima viagem do computador utilizado para tirar o extrato de Francenildo ? estava em Brasília e foi aparecer em São Paulo, dias depois, e só então lacrado e entregue à Polícia Federal ? sugere que passaram esse tempo deletando arquivos e operações.     
E como parece que a operação passou por assessores da Fazenda, é provável que a situação exija mais que a cabeça de Mattoso.     
Por isso, o mercado e os meios econômicos discutem alternativas a Palocci. E nisso também cravaram a convicção de que as bases da política econômica não mudam, qualquer que seja o sucessor.     
Só que a lista dos possíveis sucessores inclui nomes que não gostam nem um pouco da atual política, como é o caso do presidente do BNDES, Guido Mantega, muito citado na última sexta-feira. Mantega não gosta da autonomia da Banco Central, acha que o BC já deveria ter reduzido os juros, quer que o Conselho Monetário Nacional derrube os juros que o BNDES cobra ? coisa que a Fazenda se nega a fazer ? quer mais proteção à indústria nacional e apóia intervenções no câmbio para desvalorizar o real.     
Na verdade, dos sucessores comentados, apenas um, o atual secretário-executivo da Fazenda, Murilo Portugal, é um sinal de continuidade.     
No discurso de sexta, Palocci garantiu ? e os empresários compraram pelo valor de face ? que a crise política e seu inferno pessoal não vão afetar o bom momento, o céu da economia. Disse que essa é uma garantia não dele, mas do presidente Lula.     
Ocorre que Lula já deu inúmeros sinais de que nunca se convenceu inteiramente do acerto da política de Palocci. O presidente vivia falando em política de emergência, o possível nas circunstâncias e, quando do embate Palocci x Dilma Roussef, ficou com Dilma e sua proposta, já em execução, de forte aumento do gasto público.     
Na verdade, em todos os momentos de decisão importante de política econômica, Palocci tem de convencer Lula contra os argumentos das outras alas. Resumo da ópera: Palocci tem peso enorme no governo, uma posição única de líder no partido, força no governo, força junto a Lula e está genuinamente convencido do acerto de sua política econômica. Não a toma como emergencial, mas para sempre. Sua eventual demissão, que o caso do sigilo coloca na tela do radar, não é trivial.     
Por isso, na sexta, os empresários acreditaram quando Palocci disse que é preciso separar a economia (e, pois, a política econômica) da guerra política. Querem acreditar assim que, mesmo abatido na guerra política, mesmo no inferno político, Palocci pode continuar um profissional ministro da Fazenda.     
O senhor e a senhora acreditam?  Publicado em O Estado de S. Paulo, 27/ /março/2006

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