. O perigo dos bancos estatais A tese pode ser impopular, mas isso não a torna automaticamente errada. Por isso, convém repetir: é um perigo governos serem donos de bancos. Aqui e em qualquer lugar do mundo.
O argumento ? também universal ? a favor de um banco estatal se sustenta em três pontos: 1) bancos privados não se instalam em locais distantes, de pouco movimentação financeira, o que, ao final, deixaria boa parte da população sem os serviços bancários; 2) bancos privados não emprestam para determinados setores da economia, como pequenos agricultores e pequenos empresários urbanos, nem aceitam como clientes pessoas abaixo de determinado nível de renda; 3) bancos privados não se interessam por determinados setores econômicos ainda não desenvolvidos, mas com grande potencial e sobretudo de interesse estratégico para o país.
Por que os bancos privados não fazem isso? Simples: porque são operações custosas, de muito risco, pouca ou nenhuma rentabilidade e, na maior parte dos casos, de prejuízo inevitável.
De onde se conclui que o papel do banco estatal é perder dinheiro. Isso está claro. Para atender aqueles regiões, pessoas e setores de modo razoável, o banco terá de oferecer tarifas e juros subsidiados.
Ora o serviço e os empréstimos podem sair de graça para o cliente final, mas têm custos para o banco. É preciso pagar a operação ? funcionários, instalações, redes de comunicação ? e o custo do dinheiro. O banco paga juros para levantar os recursos que vai emprestar.
Ora, quem paga isso?
O governo, que é o dono do banco. Mas quem financia o governo são os contribuintes. Ou seja, trata-se ?do meu, do seu, do dinheiro de todo mundo?, mais uma transferência de renda.
Até aqui, portanto, o banco estatal é uma instituição pequena, de atividades limitadas, certamente com prejuízo e financiado pelo Tesouro. Mais ou menos como uma agência de desenvolvimento ou o que se chamaria de um ?banco social?.
Neste ponto, surge a idéia genial. Operando nos centros desenvolvidos, atendendo a classe média, o banco dá dinheiro. Ora, um banco estatal comercial, atuando na ?zona do filé mignon?, poderia fazer o lucro necessário para financiar as atividades do ?banco social?. Pronto, estão formadas as grandes instituições financeiras públicas.
E aqui começam os riscos. O banco estatal tem dupla personalidade. De um lado, é comercial, obrigado a atuar conforme padrões que levem à maximização dos lucros de modo a remunerar o governo e os demais acionistas. Isso porque, para se financiar, o banco estatal vende ações ao público privado.
De outro, a instituição pública é agência social e de desenvolvimento. Isso significa que não precisa se preocupar com lucros quando, por exemplo, empresta para pequenos e médios agricultores ou quando financia grandes empreendimentos ? estradas, portos – ou determinados setores ? como microeletrônica ? considerados estratégicos para o desenvolvimento de uma região ou de todo o país.
Uma operação, portanto, pode ser enquadrada no lado comercial ? exigindo-se garantias, etc. – ou no lado fomento/social ? mais flexível. Aí começa. Vem lá o empresário de um estado pobre e pede dinheiro para iniciar um projeto de criação de um tipo de sapo-martelo, cuja pele parece ser o ideal para fazer bolsas e sapatos. Inclusive com possibilidade de exportação para a China.
O gerente do banco estatal analisa pelo lado comercial e sequer localiza os sapos. ?Mas o que é isso?? ? reclama o interessado, ?se fosse meramente comercial, não precisaria do banco do governo. Este é um projeto para gerar emprego ali na várzea dos Quintos do Inferno?.
O empresário é correligionário ou, pior, sócio, do cacique político do estado, que nomeou o diretor regional do banco. Pronto, sai o empréstimo ? e mais um prejuízo social para o bancão da viúva. E assim segue o uso do dinheiro público para financiar os ricos de um estado pobre ? reconheceram algo?
Há mais. Uma universidade pública, pessimamente administrada, não paga a conta de luz. A concessionária ? uma vil empresa capitalista ? corta o fornecimento. Vai o reitor conversar com o governador ou com o presidente, para pedir mais verbas. Não há folga no orçamento. Sim, argumenta o reitor, mas o ?nosso? banco está indo tão bem, lucrou tanto, será que não pode emprestar um pouco para a ?nossa? universidade?
O presidente e o governador, que nomearam o presidente do banco, ligam para o correligionário e, pronto, mais um prejuízo social. Acrescentem aí estatais, fundações, hospitais e se vê o tamanho do risco.
Há mais. Não são apenas entidades públicas que vão atrás do bancão do governo. Não é justo que o bancão financie um espetáculo que leva a capoeira brasileira para o exterior?
Há mais. Prefeitos por este Brasil exigem que os bancos estatais financiem sua cidades. Senão, dizem com razão, para que o governo tem bancos?
E nem falamos de corrupção. Tudo isso é prejuízo feito com a maior das boas intenções.
Não é fábula. Tudo que foi dito acima baseia-se em fatos ocorridos no Brasil. Tanto é verdade que praticamente todos os bancos estatais, federais e estaduais, quebraram. Alguns quebraram mais de uma vez.
Sim, caro leitor, cara leitora, o Banco do Brasil e a Caixa federal também quebraram. Só no BB, o governo FHC colocou R$ 8 bilhões, de uma só tacada, para tapar os buracos abertos pelo ?lado fomento/social?. O Banespa, o bancão paulista, e outros bancos estaduais que foram privatizados deixaram pelo caminho prejuízo superior a R$ 40 bilhões. É assim. Contaminado pela política partidária, pela fisiologia, pelos caciques, o suposto ?lado bom? come todo o lucro do ?lado capitalista?.
Não estaria na hora de se pensar em alguma outra solução?
Voltaremos ao assunto. Publicado em O Estado de S.Paulo, 30 de outubro de 2006