. O Brasil não está melhor que os outros
Na entrevista ao Jornal da Globo, quando o presidente Lula dizia que o Brasil vive um momento único, os entrevistadores lembraram, entretanto, que o país está crescendo menos do que os demais emergentes. Lula respondeu: ?Pode ter algum país crescendo mais do que o Brasil, mas nenhum tem a conjuntura de fatores positivos que tem a macroeconomia brasileira?.
Falso.
Primeiro, não é que ?pode? haver algum outro crescendo mais. Todos, sem exceção, crescem mais. A revista Economist acompanha toda semana os principais indicadores de um grupo de 27 paises emergentes, espécie de classe média mundial, nações consideradas viáveis. O Brasil é o último na lista de crescimento, todos os outros 26 estão em ritmo de expansão mais forte.
E por que os outros crescem mais?
Porque apresentam, no conjunto, um ambiente mais propício ao investimento. Ou seja, não é verdade que o Brasil é o campeão mundial de fatores positivos. Se fosse, estaria crescendo mais do que outros, não é mesmo?
É importante insistir neste ponto porque o presidente Lula está passando a mensagem de que, em seu primeiro mandato, fez todo o necessário para colocar a economia em ordem, de modo a abrir espaço para um forte ciclo de crescimento daqui em diante. Sugere, por exemplo, que não há mais reformas a fazer. E há, muitas.
Assim, cabe relacionar os fatores nos quais o Brasil é pior que os demais emergentes.
A carga tributária está chegando aos 38% do Produto Interno Bruto, com um aumento de quase três pontos percentuais em relação ao início do governo Lula. Entre os demais emergentes, a carga não passa dos 25%, o que significa enorme ganho de competitividade na hora de estimular investimentos.
O setor público brasileiro arrecada muitos impostos porque gasta muito, especialmente em Previdência. Só neste item, são 13% do PIB. Depois do Brasil, o emergente que mais gasta em Previdência é o México, com algo perto de 6%.
O governo Lula, ao conceder forte aumento do salário mínimo, que indexa duas de cada três aposentadorias pagas pelo INSS, e ao prometer novos aumentos reais, está aprofundando o déficit previdenciário. O ministro do Planejamento, Paulo Bernardo, informou na semana passada que o déficit vai a pelo menos R$ 45 bilhões no ano que vem. Comentou: ?Vamos ter que achar uma forma de reduzir isso?. Observou ainda que não dá para falar disso em época de eleição.
Ou seja, temos aí um baita fator macroeconômico negativo, do qual o presidente não fala e para o qual não apresenta propostas. Parece que não é com eles.
Além de gastar demais e, por isso, arrecadar demais, o setor público brasileiro carrega uma pesada dívida. A DLSP (Dívida Líquida do Setor Público) equivale a 50% do PIB. Sabe qual a dívida máxima dos outros emergentes importantes? Cerca de 30%.
Dívida elevada causa duas distorções principais. Primeiro, eleva a taxa de juros, porque existe na praça um grande devedor, o governo, necessitando tomar recursos para se financiar. Segundo, esse dinheiro do setor privado que financia a dívida pública ? a 14% ao ano, sem fazer força ? é o dinheiro que falta para os investimentos privados.
Isso leva a dois outros fatores negativos para o crescimento: juros elevados e poucos investimentos. A taxa real de juros no Brasil está pouco abaixo dos 10%. Nos demais emergentes fica em torno dos 3% ao ano, até menos que isso em alguns países. E a taxa de investimentos não passa aqui dos 20% do PIB, contra pelo menos 25% nos demais.
Mesmo no setor externo, no qual o Brasil conseguiu expressivos resultados, a comparação ainda é desfavorável. Neste ano, a dívida externa total será apenas um pouco maior do que as exportações do período. Ou seja, um ano de exportações quase ?paga? a dívida. Melhorou, sem dúvida. Há seis anos, essa relação era de um para quatro. Mas o México ?paga? sua dívida com seis meses de exportação, a China com menos que nisso.
Além disso, o Brasil perde no quesito ambiente de negócios. O Banco Mundial realiza anualmente a pesquisa ?Fazendo negócio?, que procura medir facilidades e dificuldades na atividade das empresas. A pesquisa define critérios ? número de dias para abrir ou fechar uma empresa, número e custo de procedimentos necessários, licenças requeridas, tempo para resolver uma pendência comercial na justiça, custos trabalhistas, crédito recuperado em falências, segurança jurídica dos contratos, etc. ? tabula isso e tira uma classificação geral. Na última edição da tabela Facilidades para Fazer Negócios, o Brasil aparece em 119º. lugar, numa relação de 155 países.
Há alguns emergentes conhecidos que estão atrás do Brasil, como Venezuela e Egito, mas os mais importantes estão à frente. Mesmo China (91º.) e Índia (116º.), conhecidas pelas amarras burocráticas, estão um pouco melhor.
O presidente Lula tem razão quando diz que é preciso comparar o Brasil com o Brasil. E, de fato, há avanços notáveis. A inflação, por exemplo, está rodando abaixo dos 4% ao ano ? e o Brasil fazia isso, brincando, em menos de uma semana, antes do Plano Real. As contas externas mudaram da água para o vinho. A dívida externa pública praticamente acabou, a famosa vulnerabilidade do país a crises externas desapareceu. Por isso, o risco Brasil é menor, por isso as agências de classificação têm elevado as notas brasileiras.
A inflação caiu com o regime de metas, com Banco Central independente na prática, herança bendita do governo FHC. E o setor externo beneficiou-se do salto das exportações, propiciado por um crescimento inédito da economia mundial, e não alavancado pelas viagens dói presidente, como seus diplomatas gostam de dizer. Basta observar que todos os principais países emergentes registraram ganhos extraordinários em suas vendas externas, muitos com desempenho superior ao do Brasil. Por isso, o risco médio dos emergentes é menor que o do Brasil.
Finalmente, também em educação, os alunos brasileiros tiram notas piores nos testes internacionais.
Tudo considerado, o Brasil de hoje é melhor do que o Brasil pré-Real, resultado de uma seqüência de políticas mantidas ao longo do período. Comparado, porém, aos demais emergentes, os fatores macroeconômicos brasileiros são negativos. Isso significa, de um lado, que os outros foram mais rápidos nas reformas e mudanças e, de outro, que o Brasil ainda tem um longo caminho pela frente. Ao contrário do que alardeia o presidente Lula, o Brasil ainda não está preparado para um surto de crescimento duradouro. Publicado em O Estado de S.Paulo, 04 de setembro de 2006