JUROS, GASOLINA, INFLAÇÃO, CRESCER

. Dilemas de política econômica O ambiente piorou nas últimas semanas e por motivo justo. Acenderam-se luzes amarelas em dois aspectos essenciais da política econômica: inflação e contas públicas. A inflação está em alta e o período que se segue não é animador. Além dos aumentos da gasolina e gás de cozinha, já aplicados mas cujos efeitos ainda estão em curso, os próximos três meses concentram reajustes de energia elétrica e telefones. Quanto às contas públicas, o governo cumpriu a meta de superávit primário para o primeiro trimestre, mas passou raspando. A meta definida no acordo com o FMI era de R$ 11,4 bilhões – e o resultado saiu com R$ 11,55 bilhões, uma folga de 155 milhões. O problema está nessa folga, quase nada. Nos últimos três anos de êxito no controle das contas públicas, o governo usou a estratégia de acumular grandes margens no primeiro trimestre, um período de menor pressão para gastos. Assim, a folga em relação à meta ficou na média de R$ 5 bilhões. Agora, a conta saiu justa, sendo que há mais problemas à frente: começa com os dois meses e tanto sem cobrança da CPMF, passa pelo fim de algumas receitas extraordinárias de impostos atrasados de fundos de pensão e termina com os efeitos do aumento do salário mínimo de 180 para 200 reais. Só aqui, cálculos do INSS indicam que cada um real de aumento no mínimo representa um custo adicional para a Previdência de R$ 180 milhões/ano. (A propósito, portanto, façam as contas dessa proposta do presidenciável Anthony Garotinho de elevar o mínimo para 400 reais). Voltando à conjuntura, o Banco Central não teve como reduzir a taxa básica de juros na reunião de abril, conforme explicou na ata divulgada semana passada. Paciência, não é mesmo? O que se há de fazer? Mas talvez se possa levantar alguns dilemas. Na inflação, por exemplo: mais da metade da encrenca vem dos preços chamados administrados, cuja correção anual é prevista em contratos. Pode-se melar os contratos, é verdade, mas o desastre seria muito maior que o ganho, efêmero, na inflação. Convém insistir: quebrar contratos é a pior coisa que se pode fazer em política econômica. Gera insegurança que se manifesta, primeiro, como falta de investimento, de crédito e alta de juros. E, mais à frente, inflação pela escassez de produtos ou serviços. Portanto, aqui o caso é mesmo de paciência. A sobretaxa de energia para o consumo familiar poderia ter sido evitada, mas isso é quase um detalhe. O certo é que, faltando energia, o preço necessariamente sobe, entre outras coisas para remunerar, e estimular, novos investimentos. Gasolina e gás de cozinha é uma história um pouco diferente. Já tratamos em outros artigos do sistema absurdo em que nos metemos, com preços livres num mercado inteiramente dominado pelo monopólio da estatal Petrobrás. Quer dizer, a Petrobrás é livre para colocar o preço que quiser. O caso aqui é dar uma olhada no verso e reverso dessa moeda. A Petrobrás joga em diversas posições no campo da política econômica. Influi na inflação, por exemplo, na medida em que eleva ou reduz o preço dos combustíveis. Mas como estatal, entra no conjunto das contas públicas, de tal modo que o lucro da empresa é superávit primário do governo federal. O regime oficial de política econômica é o de metas de inflação. Mas o ponto principal do acordo com o FMI é a meta de superávit primário nas contas públicas, diretamente relacionada com a medida da dívida pública. Portanto, não há como estabelecer uma escala de prioridade, de tal modo que fosse possível sacrificar uma meta para salvar a outra. Ambas têm de ser atingidas ao mesmo tempo. A saída é temperar os ingredientes. Não é simples. Quanto de inflação da gasolina e do gás se pode tolerar em nome de um ganho nos lucros da Petrobrás e, pois, na contabilidade geral do governo? De todo modo, verifica-se aí que o aumento da gasolina, além de torrar a paciência e esvaziar o bolso do consumidor, pode ter uma função nobre, quase patriótica, o de preservar o equilíbrio das contas públicas que, em princípio, interessa a todo o país. Mas o que acontece quando parte do lucro da Petrobrás vai para capitalizar o fundo de pensão dos funcionários da estatal, o Petros? No último trimestre, a Petrobrás mandou nada menos que R$ 1 bilhão para equilibrar o Petros – e esse dinheiro fez falta na formação do superávit geral. Em vez de atender a um objetivo geral de política econômica, esse um bilhão foi reservado para a aposentadoria de alguns milhares de funcionários. De modo mais claro: preço alto da gasolina e do gás eleva a inflação, o que prejudica o conjunto da sociedade; o lucro da Petrobrás, em vez de financiar as contas públicas, financia o fundo de pensão, que quebrou por uma série de motivos (culpa da Petrobrás, do próprio Petros, má gestão, benefícios generosos sem o correto financiamento, etc.) mas que continua sendo problema de apenas alguns milhares de brasileiros. Não é forçar a barra. Trata-se apenas de mostrar dilemas e injustiças de política econômica, sobretudo quando se tenta combinar regime de livre mercado com uma baita estatal e seu monopólio. E assim, de pontinho em pontinho, se vai formando a taxa de juros. Publicado no Estado de S.Paulo, 29/05/2002

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