JUROS ALTOS FUNCIONANDO

. As razões da chiadeira O remédio funciona      
Em setembro do ano passado, quando o Banco Central elevou a taxa básica de juros para 16,25%, a inflação dos últimos meses batia em 6,7%,  conforme o IPCA, o índice de preços ao consumidor do IBGE que é a referência do regime de metas. Em fevereiro, quando o BC puxou os juros para 18,75%, no sexto movimento seguido de alta, a inflação alcançava 7,4%, apenas um pequeno recuo depois do pico de 7,6% em dezembro.     
Conclusão apressada: a política de juros altos não funciona no Brasil, mesmo porque a atual inflação já está de bom tamanho para os padrões nacionais.     
É a tentação da jabuticaba, frutinha que só dá no Brasil, dá com certa facilidade e é gostosa. A tentação é imaginar que leis econômicas clássicas não funcionam no Brasil ? não todas, é claro, só aquelas que levam a sacrifícios, como a que exige juros altos para derrubar preços. Desgraçadamente, porém, não estão sobrando frutas fáceis por aí. E como isso de achar que o Brasil é diferente já nos levou a graves desastres ? como a superinflação crônica e os orçamentos públicos detonados ? convém ser clássico e tradicional nesse campo. Primeiro ponto: a inflação atual no Brasil é elevada ou está de bom tamanho? Resposta certa: é elevada. Como sabemos disso? Comparando com os semelhantes. Numa relação de 25 países emergentes acompanhados semanalmente pela revista Economist, apenas cinco registram índices de inflação superiores ao brasileiro. São: Filipinas, Venezuela, Egito, Turquia e Rússia. Indonésia e Argentina estão um pouco abaixo, mas na casa dos 7% anuais. Os demais 13 ficam abaixo dos 5%, com médias bem pequenas. Todos estão em processo de expansão, crescem há mais tempo e muitos em ritmo mais forte que o Brasil, o que exclui a tese de que um pouco mais de inflação ajuda o crescimento. Segunda questão: os juros são muito elevados no Brasil? Nem é preciso responder, claro. Considerando papéis de um ano e descontada a expectativa de inflação, a taxa real de juros no Brasil alcança 12,5% ao ano, o nível mais alto entre países relevantes. Ou seja, aqui sim, uma jabuticaba, mas azeda. Ainda assim, o país cresce (mais de 5% no ano passado) e a inflação resiste. O que estaria acontecendo? Esse é o debate dominante nos meios econômicos e políticos, dentro e fora do governo. Não é simples porque as repostas envolvem desde questões de curtíssimo prazo até mudanças estruturais, como a que a está ocorrendo no sistema de crédito. Começa que o custo do dinheiro subiu menos que a taxa básica definida pelo BC. Em setembro do ano passado, quando começou a escalada do Comitê de Política Monetária, Copom, a taxa Selic (básica) era de 16% ao ano e os juros diários estavam um pouco abaixo disso. Já a taxa de 360 dias era de 18%. Agora, com a Selic a 18,75%, a taxa de 360 dias (Swap Pré ? DI, no jargão do mercado) era de 18,7%.  Na outra ponta, a concessão de crédito às empresas e pessoas físicas continuou em expansão até janeiro último pelo menos, sem que os juros cobrados do tomador tenham subido expressivamente. A resposta para isso está nas mudanças microeconômicas, como o crédito consignado (empréstimo a trabalhadores formais e aposentados com desconto direto na folha de pagamento ou na folha do INSS). Dada a sólida garantia, essa modalidade vem em forte expansão, com juros menores do que os cobrados em outros tipos de crédito ao consumidor. Em dezembro último, o BC registrou mesmo uma redução na taxa média de juros à pessoa física, em consequência da ampliação daquele tipo de crédito pessoal. Há também maior competição entre os bancos pelo crédito no varejo, o que tem levado a ganhos de eficiência. Associados a grandes redes comerciais, com sua tradicional freguesia, os bancos têm sido mais ágeis na concessão dos financiamentos e na seleção dos clientes de modo a reduzir a inadimplência. Assim, aumentaram os prazos (até 15 vezes, em propagandas recentes, o que dilui o valor da prestação mensal) e caiu o spread (a diferença entre o custo do dinheiro para o banco e os juros ao tomador final). Outras medidas contribuíram, como mudanças no crédito imobiliário e a própria Lei de Falências, todas na direção de se reforçar a garantia de que o dinheiro emprestado será devolvido. Trata-se de boa novidade, é claro. Mas no curtíssimo prazo isso vai na contramão do esforço do BC para esfriar a economia, reduzir o consumo e diminuir a pressão sobre os preços. Os últimos índices de inflação têm registrado recuo, mas ainda se mantêm relativamente elevados. E com alguns detalhes significativos: em janeiro, por exemplo, aumentaram vendas e preços de bens duráveis (eletrodomésticos, por exemplo), que dependem de crédito.     
Isso não quer dizer, entretanto, que os juros altos deixaram de funcionar no Brasil. Significa que houve mudança de parâmetros (na altura e no tempo de duração das taxas de juros). De janeiro para cá já se nota algum aumento nos juros finais, assim como observam-se sinais de arrefecimento da produção e do consumo. Parece que a coisa começa a funcionar, isto é, as expectativas de inflação começam a cair.     
De todo modo, especialistas sugerem mudanças nas táticas do Banco Central, como aumentos no depósito compulsório (dinheiro que os bancos são obrigados a deixar parado no BC) e a volta de um sistema de duas taxas básicas, de modo reduzir os custos para o governo. Sendo o maior devedor na praça, o governo é o que  mais sofre com os juros altos e este é o pior efeito colateral da atual política monetária. Para muitos analistas, esse efeito negativo já é maior que os eventuais benefícios da redução da inflação. Ou seja, entendem que a taxa básica de juros está no limite máximo ? e que se não  funcionar assim será preciso, de novo, aceitar uma inflação acima do centro da meta, que é de 5,1%, mas bem inferior aos 7,6% do ano passado. É o que deve acontecer no final da ópera.     
Por outro lado, há outra coisa que vai contra a política monetária super-apertada do BC: o governo federal elevou  expressivamente seus gastos não financeiros no ano passado. A folha de salários teve aumento real em torno de 5% – e neste ano está subindo ainda mais, dados os reajustes salariais e contratação de novos funcionários (103 mil a mais do que em dezembro de 2003). As despesas com custeio, sem investimentos, subiram 10%, descontada a inflação.     
Aqui, de novo, temos uma não-jabuticaba. Como em qualquer país do mundo, o gasto público aumenta a demanda e, em excesso, é, sim, inflacionário. Trata-se de um problema real, pois o crescimento da ação do Estado está no código genético do PT, na parte que não sofreu mutação.     
Tudo considerado, o que temos?     
Os juros altos acabam funcionando, a inflação deve ceder, isso na opinião da maioria dos analistas para os quais as leis econômicas valem também para o Brasil. Mas mudanças estruturais no sistema de crédito, de um lado, e o aumento do gasto público no ano passado, de outro, exigiram um aperto extra da política monetária. Esse aperto está no limite máximo, de modo que, se não conseguir quebrar a resistência da inflação, não poderá simplesmente ser esticado. O BC precisará então recorrer a novos instrumentos ? igualmente disponíveis nos arsenais clássicos ? assim como aceitar a inflação acima do centro da meta, mas na margem de tolerância. Qualquer coisa de 6% para baixo estará mais que bom.     
O ideal seria uma forte redução do gasto público ? e está na cara que tem muito lugar onde cortar, não é mesmo? Como o governo do PT não fará isso, resta a política monetária mais apertada.     
De outro lado, como o mundo lá fora continua amistoso e como a economia brasileira mostrou forte dinamismo, com sorte será possível salvar um crescimento razoável para este ano. O que não elimina a discussão: teria sido possível sacrificar menos o crescimento, sem jabuticabas, bem entendido? Nos próximos capítulos. Publicado, com pequenas modificações, na revista Exame, edição 837, data de capa 2/março/2005

Deixe um comentário