O câmbio BigMac, Brasil e Argentina

. As dores da desvalorização Para a moeda argentina chegar a uma taxa de câmbio efetiva equivalente à do real precisaria sofrer uma desvalorização de 65% em relação ao dólar. Pelo menos essa é a indicação do Índice Big Mac, da revista Economist, que saiu na edição dupla de fim de ano. Na cotação de um peso por um dólar, o Big Mac sai na Argentina por US$ 2,50. No Brasil, por US$ 1,51, no câmbio de R$ 2,38 por dólar, observado em 14 de dezembro passado, quando forem colhidos os números. Assim, para que o Big Mac em Buenos Aires saísse por preço igual ao brasileiro, em dólares, seria necessário que o peso fosse cotado a 1,65 por dólar. Uma megadesvalorização, portanto, para equilibrar o valor real das moedas dos principais parceiros do Mercosul, não se esquecendo que a megadesvalorização do real é uma das causas principais da crise argentina. O Índice Big Mac baseia-se na teoria da Paridade de Poder de Compra. Simplificando, um produto igual no mundo deveria custar a mesma coisa em dólares. O que há de mais do que um Big Mac? Assim, toma-se o preço do hamburguer em moeda local e calcula-se o valor em dólar pela cotação do mercado. Se o resultado ficar abaixo do preço americano, a moeda local está desvalorizada. Se ficar acima, valorizada. A libra esterlina é a campeã de valorização. Na Inglaterra, o Big Mac sai por US$ 2,89, quase 12% a mais do que o preço americano, US$ 2,59, indicando que a libra está valorizada nesses mesmos 12%. Na Argentina, na paridade, o Big Mac custa 2,50 pesos ou dólares, com uma desvalorização mínima em relação ao preço nos Estado Unidos. No Brasil, um Big Mac a US$ 1,51 é quase 42% mais barato do que nos EUA. Como o real valorizou-se de 14 de dezembro para cá, quando foi construído o Índice, hoje o Big Mac brasileiro está saindo por US$ 1,57. Para que o hamburguer argentino custe a mesma coisa, na moeda internacional, o peso precisaria agora cair para a cotação de 1,59 por dólar. (2,50 pesos divididos por 1,59 igual a 1,57 dólar). Mas essas diferenças são irrelevantes quando um país inicia um processo de desvalorização, como é o caso da Argentina. Na verdade, nunca se sabe como a coisa vai terminar, dadas as complexas relações econômicas que precisam ser desfeitas. O modo como se desfaz a trama é decisivo para dar o tamanho e o custo de uma desvalorização. Nos últimos anos, diversos países emergentes passaram por processos assim. Em alguns, como na Coréia (1997), houve uma enorme recessão, com alta desprezível da inflação. No México (1995), foi o contrário, mais inflação. Na Rússia, que fez desvalorização com moratória, como a Argentina está fazendo, deu inflação e recessão ao mesmo tempo, em doses elevadas, mas por período curto. O país logo voltou a crescer, apoiado sobretudo em sua enorme capacidade exportadora, esta assentada principalmente nas vendas de petróleo. Mas ainda hoje, a inflação russa é a segunda maior entre os 25 principais países emergentes, 19% ao ano, atrás apenas da Turquia (65%). No Brasil, a desvalorização (1999) provocou uma alta benigna da inflação – menos de 10% no primeiro ano, com uma parada no crescimento, mas sem recessão e com retomada rápida. A segunda onda de desvalorização, no ano passado, brecou a retomada e fez um pouco mais de inflação. Agora, parece que estamos voltando de novo. Aliás, a rapidez na retomada foi uma constante. Em geral, um ano depois da desvalorização da moeda, os países já estavam de novo mais ou menos arrumados, reiniciando o crescimento. Mas a situação argentina parece um pouco mais complicada. Com exceção da Rússia, os demais países desvalorizaram sem moratória. Ao contrário, tiveram apoio externo, principalmente dos Estados Unidos então sob a presidência de Bill Clinton, cuja área econômica, comandada por Robert Rubin e Larry Summers, considerava que o custo dos pacotes de ajuda aos países era menor do que deixá-los quebrar. Já a Argentina não tem Bill Clinton, mas um George Bush conservador e cujas maiores preocupações estão em outros assuntos. Além disso, os EUA não estão crescendo, como cresciam com Clinton. Nesse quadro, a Argentina ainda embarcou numa moratória politizada – igualzinha ao desastre de José Sarney em 1987 – cujos resultados serão trágicos, se o novo governo não passar logo para a renegociação. Ocorre que a Argentina vai precisar de dinheiro externo. E muito. Por exemplo, o regime de conversibilidade permitia que pessoas e empresas tivessem depósitos em dólar, assim como tomassem financiamento na mesma moeda. Do ponto de vista dos bancos, a conta é casada ou deveria ser se os bancos foram bem administrados e vigiados pelo banco central, como parece ser o caso. Assim, um banco recebia dólares em depósitos (seu passivo) e emprestrava dólares (seu ativo). No caso das pessoas e empresas, porém, nunca é assim na vida real. Ou seja, algumas são credoras, outras devedoras em dólar. Uma desvalorização, portanto, torna algumas ganhadoras, outras perdedoras. É preciso administrar isso para evitar inúteis quebradeiras. Assim, pode-se passar para pesos as dívidas das pessoas que as haviam tomado em dólares, para evitar a insustentável situação da família receber em pesos desvalorizados, tendo contas a pagar em dólares. Mas o banco que deu o crédito também tem a obrigação de honrar os depósitos em dólares feitos por pessoas e empresas. Se passa receber pesos desvalorizados dos devedores, como vai pagar dólares aos credores? E os bancos têm quase US$ 50 bilhões nesses depósitos. Uma saída é tranformá-los em pesos, mas é difícil que o governo se sustente depois de mais essa garfada. Logo, vai ser preciso financiar os bancos para impedir a quebradeira. Eis aí, vão precisar de um Proer. Mas o governo argentino não tem os dólares para isso. O FMI poderia financiar, mas não se o país permanece numa moratória politizada. Ou seja, eles terão que parar rapidinho com o populismo e cumprir a agenda mais do que conhecida, incluindo o ajuste fiscal, sobretudo das províncias. Em especial, precisam parar com as mágicas – como o câmbio duplo – cujo objetivo é tentar enganar e dizer que não haverá perdas salarias, por exemplo. O papel desse novo governo é administrar perdas. Se não encarar isso, como o anterior não encarou, vai prolongar a crise. E a escolha é exclusivamente dos argentinos. Veremos. Publicado em O Estado de S.Paulo, 07/01/2002

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