JORNADA DE TRABALHO E DESEMPREGO

. Jornada menor = mais desemprego Se a legislação determinar que os trabalhadores com carteira, já empregados, cumpram jornadas menores, isso abrirá vagas nas empresas? Sim, é a resposta de lideranças sindicais, membros do atual governo Lula, muitos ex-dirigentes de sindicatos, inclusive o ministro do Trabalho, Ricardo Berzoini. Tanto que, na semana passada, Berzoini, anunciou planos de lançar medidas legislativas para reduzir as horas extras, quando estas estivessem sendo usadas para evitar a contratação de novos funcionários. A medida é de execução complicada. Como saber se determinado aumento de demanda é circunstancial – o que justificaria o uso de horas extras para elevar produção por algum tempo – ou é permanente, exigindo aumento e quadros? Este julgamento deve caber exclusivamente à empresa e seus executivos. São estes que estão no mercado e competindo. Ao regulamentar essa decisão, o governo estará se colocando no lugar do empreendedor. Estará determinando quando a empresa precisa ou não contratar. Não costuma dar certo. Além disso, é discutível a tese segundo a qual jornadas de trabalho menores, por lei, aumentam a oferta de emprego. A revista Economist, numa reportagem recente sobre a União Européia, reuniu alguns dados interessantes sobre o tema, comparando Estados Unidos com países europeus. Na Europa, o mercado de trabalho é mais regulamentado, leis e contratos coletivos definem ampla gama de direitos para os trabalhadores. Reduzir jornada é uma tendência clara. Em 1970, por exemplo, trabalhadores dos EUA batalhavam cerca de 1.900 horas/ano. Em 2003, a jornada havia caído para 1.800 horas. Na Europa, a redução foi muito mais forte. Na Alemanha, a jornada caiu de 1.950 horas para algo como 1.450, no mesmo período. Os alemães trabalhavam mais que os americanos, agora, bem menos. A França descreve trajetória idêntica à alemã. Já a Itália, trabalhava menos que os concorrentes europeus em 1973 (1.870 horas/ano), mas chegou a 2003 trabalhando mais (1.600 horas). Mas é a Inglaterra que tem as maiores jornadas da União Européia, pouco menos de 1.700 horas em 2003, vindo de 1.950 em 1970.  Ou seja, em toda a Europa, a jornada é menor do que nos EUA. Pela tese jornada menor igual a mais empregos, o desemprego deveria ser maior nos EUA. E acontece o contrário. No mesmo período, 1970/2003, o desemprego na Alemanha foi de 1% (considerando apenas a Alemanha Ocidental nesse ano) para quase 10%. Na França, o salto foi de pouco mais de 2% para 9%. Na Itália, de 5% para 8,5%. Finalmente, na Inglaterra, o desemprego saiu de 2% para 5% , sempre entre 1970 e 2003. Já nos Estados Unidos, o desemprego aumentou muito pouco. Era de 5% e foi para 6% em 2003, sendo que esse ano, em particular, foi um período ruim. Durante os anos 90, de grande expansão econômica mundial, o desemprego nos EUA ficou na faixa dos 3%, contra 10% na Europa. Claramente, a redução maior da jornada coincide com um aumento maior do desemprego. Olhando o que acontece nos EUA, jornadas maiores não causam desemprego. E produzem mais riqueza. Ainda considerando o mesmo período (1970/2003), o Produto Interno Bruto teve aumento real de 175% nos EUA. Isso se compara com crescimento de 100% na Alemanha e um pouco mais na França, Itália e Inglaterra, mas sempre abaixo dos 120%. Há, portanto, dois movimentos comuns, mas de qualidade diferente. O que há de comum: as jornadas de trabalho diminuíram para todos e o desemprego aumentou para todos. Mas, as diferenças, onde houve menor redução de jornada (EUA e Inglaterra), o desemprego é menor. Dá o que pensar, não é mesmo? Ainda mais quando se observa que, neste ano, muitas empresas instaladas na Alemanha e França têm chegado a acordos com seus funcionários para aumentar a jornada de trabalho, sem elevação de salário, de modo a ganhar competitividade. Na França, já há propostas para se eliminar a lei que fixou a jornada de 30 horas semanais – algo impensável algum tempo atrás. A causa básica do desemprego é, por certo, a baixa atividade econômica. Depois vêm outros problemas, como o avanço tecnológico, que permite produzir cada vez mais com menos gente. Mas, de novo, a moderna tecnologia de informação está mais disseminada nos EUA, onde o desemprego é menor em relação a outros países desenvolvidos. Enfim, não há dúvida de que uma importante causa de desemprego é o rigor e o custo do cumprimento da legislação trabalhista. Países com legislações mais rigorosas – cuja intenção é dar mais proteção ao trabalhador – são os que apresentam maiores índices de desemprego e/ou de trabalho informal. É o caso do Brasil. A idéia de Berzoini não vai funcionar. Tem razão o presidente Lula quando diz que uma pequena empresa não pode cumprir (pagar) as mesmas obrigações trabalhistas de uma grande. Isso significa, pura e simplesmente, que o trabalhador da pequena empresa terá menos direitos que o da grande empresa – o que, aliás, já acontece, estando o primeiro na informalidade, sem nenhum direito. Uma reforma trabalhista na direção sugerida por Lula é o melhor caminho para aumentar o emprego e o emprego formal. Publicado em O Estado de S.Paulo, 04/10/2004

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