Há duas visões extremas sobre a reforma da previdência. Pela primeira, até bastante popular no mercado financeiro, feita a reforma, tudo o mais se resolve quase automaticamente. A mudança estanca o crescimento do déficit previdenciário, sinaliza a arrumação das contas públicas, restabelece a confiança de empresário e consumidor, e estamos conversados.
Pela segunda, a reforma não é lá essas coisas. Quer dizer, nem é tão necessária, nem resolve os problemas centrais da economia brasileira que, nessa visão, estão, por exemplo, nos juros altos e na falta de investimento público.
Olhando pelo avesso da primeira visão, sem a reforma, o governo Bolsonaro acaba e o país amarga mais um retrocesso.
Pela segunda, feita a reforma, o país continua sem crescer e até perde consumidores.
O presidente eleito estaria de qual lado?
Pelas suas últimas declarações, ele não vê urgência na reforma. Ontem, é verdade, ele disse que vai encaminhar sua proposta no começo do governo e que o Congresso estará votando ainda no primeiro semestre de 2019. Por outro lado, disse que pretende fazê-la fatiada e começando por um pequeno aumento na idade mínima de aposentadoria, talvez de mais uns dois anos.
Comentou também que isso seria o possível de passar no Congresso, indicando que, para ele, os deputados e senadores também não veem urgência na reforma.
Ou seja, estariam todos mais perto da segunda visão, a de que o déficit previdenciário não é um problema tão grande assim.
Essa visão é, em si, um baita problema.
Permitam alguns números: há oito anos, 37% das despesas totais do governo federal se destinavam ao pagamento de aposentadorias; hoje, 50% e, sem reforma, crescente. E se aumentam os gastos com previdência, necessariamente caem os outros, especialmente com investimentos. Hoje, o governo federal investe – obras, infraestrutura etc. – algo como 0,5% do PIB, um valor ridículo. Não é preciso mostrar as consequências desastrosas que ocorreriam se mantida essa tendência.
Ou seja, a reforma da previdência, do INSS e a pública, é não apenas necessária, indispensável e urgente. Também precisa ser ampla.
Uma pequena elevação da idade mínima certamente não resolve. Aliás, nem está claro como isso será aplicado para o regime do INSS e para os servidores.
O presidente eleito também disse que um dos objetivos da reforma é eliminar privilégios. Isso é correto e dá um sentido político à proposta. Não se trata de cortar direitos – como alardeiam os opositores – mas de cortar desigualdades e injustiças.
Há muitas injustiças. Ontem mesmo o Ministério da Fazenda divulgou um estudo mostrando que 40% dos gastos previdenciários vão para pessoas situadas no grupo dos 20% mais ricos. E apenas 3% vão para os 20% mais pobres.
Há mais: dos 35 milhões de aposentados do INSS, cerca de seis milhões (18%) conseguiram o benefício por tempo de contribuição, aos 55 anos em média. Levam mais de 30% dos pagamentos e recebem R$ 3 mil/mês em média. Os mais pobres, a maioria, se aposentam por idade, 65 anos, e ganham um e meio salário mínimo.
Uma pequena elevação da idade mínima, que, obviamente não pode referir a esses mais pobres, nem arranha essa desigualdade. É preciso alterar de maneira substancial as regras de obtenção da aposentaria.
Tudo considerado, para o momento, a melhor alternativa, disparado, seria tentar aprovar a proposta apresentada pelo governo Temer, que já tramita no Congresso, e garante uma economia de R$ 500 bilhões no gasto previdenciário em dez anos.
Não seria uma reforma definitiva. Para o ano que vem, o déficit previsto do INSS se aproxima dos R$ 220 bilhões; e o do regime dos servidores, R$ 88 bilhões, e isto para pagar um milhão de aposentados.
Mas a proposta Temer certamente seria um bom começo.
Ao que parece, o presidente eleito não quer assumi-la justamente por isso, por ser uma ideia do velho governo “para matar idosos”, como já disse Bolsonaro.
Não é um bom começo para um governo que está gerando boas expectativas nos meios econômicos. O presidente poderia aproveitar esse ambiente e sua popularidade inicial para tentar uma reforma mais abrangente.