ALCA E A POLÍTICA INDUSTRIAL

. Meio mussarela, meio aliche Saiu a política industrial do governo Lula e a Alca (Área de Livre Comércio das Américas) deu mais um passo rumo ao fracasso. Haveria algo de comum entre esses dois eventos da semana passada? Deve haver. A rigor, política industrial não combina com abertura comercial. Pela primeira, o governo seleciona alguns setores (software, bens de capital, semicondutores e fármacos, no caso brasileiro) e os apóia com subsídios, créditos favorecidos e alguma proteção contra os produtos importados. Abertura comercial é idéia de origem bem diferente. Vem do mercado, da liberdade de empreender e da convicção de que quanto mais competição, mais as empresas se tornam eficientes e produtivas. Nesse sentido, quanto menos barreiras ao investimento, ao comércio, à livre circulação de capitais, pessoas e mercadorias, melhor para o crescimento econômico. Se o governo Lula fosse um puro-sangue – estritamente pró-livre mercado ou pela completa intervenção estatal – ou não haveria política industrial ou nenhuma forma de abertura, nem Alca, nem Mercosul. Como o governo é um híbrido, tudo sai meio mussarela, meio aliche. A política industrial, por exemplo. Tem ali uma série de propostas com o objetivo de facilitar a vida das empresas, eliminando-se entraves burocráticos e fiscais. Ou seja, trata-se de ampliar o grau de liberdade de empreender. Pró-mercado, portanto. Mas também tem dinheiro público destinado a setores que os burocratas do governo, com assessoria de determinados empresários, julgam estratégicos.Isso é pura intervenção estatal, baseada na idéia de que o governo sabe mais que as pessoas que estão no mercado, investindo, comprando e vendendo. Também é híbrida – alguns diriam, esquizofrênica – a posição do governo Lula em relação à Alca. Começa que o PT sempre rejeitou a Alca, por dois motivos básicos. Primeiro, porque não gostava de livre comércio. Segundo, porque não gostava dos Estados Unidos. A Alca era anexação da América Latina pelos Estados Unidos, lembram-se? Formado o governo Lula, entretanto, parte dele, a que vai além do PT, mostrou-se a favor da Alca, ou por razões de política econômica (é preciso aumentar o volume de comércio externo) ou por motivos práticos (por representar setores empresariais que enxergam enormes vantagens no acesso mais amplo ao mercado americano). O desempate entre essas duas posições se deu pelo Ministério das Relações Exteriores, de óbvio viés anti-Alca e anti-EUA. Como os diplomatas brasileiros são competentes, não lhes foi muito difícil embaralhar as complicadas negociações técnicas e deixar que a coisa escorregasse lentamente na direção do impasse. E nisso foram ajudados por ninguém mais, ninguém menos do que os imperialistas americanos. Curioso, não é mesmo? Ocorre que lá nos Estados Unidos há muita gente que não quer anexar a América Latina, ao contrário do que dizia o velho PT. É o pessoal que acha que isso de livre mercado só favorece os países emergentes, cujos custos menores roubam fábricas e empregos dos EUA. Assim, formou-se uma aliança implícita entre os que, aqui, acham que a Alca é o triunfo americano, os que, lá, entendem que é uma transferência de emprego para esses latinos. Só podia dar em fracasso. Nisso, portanto, está vencendo o velho PT. Como será na política industrial? Qual aspecto vai prevalecer, os programas que facilitam a vida das empresas ou aqueles que financiam a juros de amigo os setores escolhidos? Ainda não se sabe, mas se sabe que o dinheiro público é escasso, de modo que não há como distribuir tanto subsídio. Quanto à redução dos entraves burocráticos, fiscais e regulatórios, também não se sabe. Há coisas avançando, outras piorando. E o problema é que este ponto se resolve no plano da administração diária, dependendo, pois, da eficiência (e da mudança de cultura) das diversas repartições do governo. A Polícia Federal, por exemplo, se inquieta toda vez que se fala em simplificação de trâmites de importação e exportação. Não raro, bons programas feitos lá em Brasília acabam morrendo pelo caminho. Quantas vezes o senhor e a senhora já ouviram falar em desburocratização? O diabo é que as coisas se decidem no dia a dia da administração. Lula disse que aos empresários que, tendo projetos, terão financiamento. Vá ao BNDES ou ao Banco do Brasil ver se é fácil assim, respondem empresários. Na semana passada, estive um Curitiba, numa reunião do Sistema de Crédito Cooperativo, Sicredi-Paraná. E é sempre reconfortante ver a eficiência desse pessoal das cooperativas paranaenses. São agricultores e pecuaristas que trabalham com a melhor tecnologia, são produtivos, exportadores. E com as cooperativas de crédito, tratam de eles mesmos arrumar meio de financiar seus negócios. Em vez de ficar lamentando a crise e reclamando do governo, construíram um extraordinário agronegócio. De que se queixam? Do MST, das confusões no porto de Paranaguá, da carga tributária, das burocracias, das estradas ruins, do rolo armado com os transgênicos. Tudo culpa dos governos, direta ou indiretamente. Eis aí, a política de que esse pessoal precisa é, simplesmente, menos política. E mais mercados, locais e internacionais. PS – dê uma olhada no quadro. Mostra a evolução das exportações do México e Canadá, depois que fizeram o acordo de livre comércio com os EUA. Publicado em O Estado de S.Paulo, 05/04/2004

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