HÁ MUITA COISA POR TRÁS DA POLÍTICA MONETÁRIA

. As razões da chiadeira Muita gente ataca o BC por achar que metas de inflação são uma besteira e que seus diretores são idiotas      Fernando Henrique Cardoso, quando presidente, costumava conversar com empresários e economistas que eram críticos de sua política econômica. Eram encontros informais e reservados, nos quais FHC mais ouvia do que falava. Mas as conversas sempre vazavam e inquietavam o mercado: estaria sendo preparada alguma mudança de política?     
O presidente Luis Inácio Lula da Silva reintroduziu a prática, à sua maneira. Logo depois da última elevação da taxa básica de juros aplicada pelo Banco Central, chamou um dos críticos externos mais veementes, o presidente da Confederação Nacional da Indústria, Armando Monteiro. É verdade que Monteiro é mais ou menos da casa, pois como deputado federal pelo PTB de Pernambuco integra a base governista.     
Em todo caso, foi chamado como líder industrial e, aí a surpresa, para uma reunião formal no Palácio do Planalto com os condutores máximos da política econômica, o ministro da Fazenda, Antonio Palocci, e o presidente do BC, Henrique Meirelles, na presença de Lula, que, aliás, não havia gostado da elevação dos juros para 18,25% ao ano. Foi, assim, uma espécie de acareação.     
Em vez de ouvir as críticas e depois conversar com seu pessoal, Lula, talvez inseguro quanto a seus conhecimentos de economia, colocou Monteiro para fazer o contraponto ali no ato. Segundo o presidente da CNI, a conversa foi ?franca? e ?veemente?. Ou seja, quebrou o pau. Essa reunião ocorreu no último dia 20 de janeiro e o que seguiu foi uma comédia de equívocos e muito mal estar. Tudo a anos luz de um bom debate sobre a taxa básica de juros ? debate que, entretanto, está ocorrendo fora do governo. Para Armando Monteiro, o tiro saiu pela culatra. Ele entrou atacando os juros e saiu defendendo os preços. Logo depois do embate, na quinta mesmo, Palocci concedeu entrevista coletiva para fazer uma defesa firme da política monetária, salientando que os juros tinham de subir porque os preços subiam antes. O BC reage ao comportamento da inflação e ?tem acertado?, disse o ministro. Parece ter convencido o chefe. Tanto que, nos dias seguintes, interlocutores de Lula saíram dizendo que o presidente estava aborrecido com o que considerou falta de patriotismo de empresários que aumentavam seus preços. Assim, Lula estaria pensando em abrir importações para forçar a competição local e obrigar os nacionais a reduzirem seus preços. E aí então ? bingo! – os juros poderiam cair. Na versão oficial, os empresários, de vítimas dos juros altos, passaram a culpados. É verdade que uma política consistente de abertura comercial impõe poderosos efeitos à economia local. Submetida à pressão da competição mundial, a indústria local é forçada a modernizar-se e alcançar os melhores padrões internacionais. A médio prazo, os preços tendem a cair. Mas isso é muito diferente de uma ameaça circunstancial de abertura,  sobretudo quando feita por um governo que promete defender a indústria nacional e acaba de elevar impostos de importação. Talvez o governo ache que a simples ameace ponha um freio à alta de preços. Não funciona. Primeiro, porque os empresários já ouviram tais ameaças antes e sabem como é o truque. Segundo, e mais importante, porque não há  um processo de alta generalizada de preços na economia brasileira, nem muito menos uma demanda exageradamente aquecida. A inflação corrente está de fato elevada diante das metas, mas os aumentos de preços são localizados e freqüentemente pontuais. Também é verdade que alguns setores estão procurando recuperar margens de lucros, mas o processo é limitado pelo poder aquisitivo da população. E, afinal, em algum momento da retomada da economia, as empresas precisam recuperar margens perdidas ao longo de quase três anos de vacas magras. Resumo dessa ópera bufa: o presidente Lula, depois de expor seu ministro da Fazenda a uma acareação, sai com um ameaça fictícia contra um inimigo inexistente. Enquanto isso, observa-se nos meios econômicos um rico debate sobre a política de juros. Há críticas à taxa de juros praticada pelo BC, mas não como a daquelas pessoas para as quais o regime de metas de inflação é uma besteira e os diretores do BC são uns idiotas ? posição que põe lenha na fogueira e não dá soluções. Já críticos como Gustavo Loyola, ex-presidente do BC e atual diretor da consultoria Tendências, concordam que não se pode brincar com a inflação, como diz Palocci, e fazem contas conforme os modelos utilizados pelo Banco Central. E chegam a conclusões diferentes. Para Loyola, o BC não precisaria ter elevado os juros em janeiro porque o prognóstico anterior já indicava que a inflação de 2005 estava bem próxima da meta de 5,1%. Mais ainda: o BC parece considerar que, neste momento, a taxa real de juros precisa estar em torno dos altíssimos 12% ao ano para conter a demanda e impedir um descontrole inflacionário. Já para Loyola, algo entre 7% e 8% ao ano formariam a taxa real de equilíbrio, isto é, aquela que combina inflação baixa com crescimento da economia dentro das potencialidades do país. Diversos economistas, muitos conservadores, sustentam que, neste momento, os efeitos negativos dos juros altos (redução do crescimento econômico e elevação das despesas financeiras do governo) já superam o efeito positivo de conter a inflação. Muitos sugerem um processo mais lento de redução da inflação. E todos querem redução dos gastos públicos. Tudo coisa séria mas que, infelizmente, parece ainda não ter chegado ao governo. Afinal, é mais fácil ameaçar empresário do que reduzir gastos. Revista Exame, edição 835, data de capa, 02/02/05

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