GASTO RUIM

. –O governo valentão: “gastamos, sim, e daí?” Daí que há, sim, riscos nas contas públicas–

Todo mundo no governo ficou valentão. ?A gente vai mesmo gastar, qual o problema?? ? repetem Lula, ministros da área econômica e autoridades diversas. Apoiados no ambiente internacional, francamente favorável ao gasto público para evitar recessões, o presidente e seu pessoal parecem achar que não há regras, nem limites. E ficam bravos quando ouvem reclamações.
O ministro do Planejamento, Paulo Bernardo, normalmente moderado na linguagem, também entrou no clima de palanque, tentando ridicularizar quem pede controle de gastos. ?Cortar gastos, só sabem dizer isso, mas o Brasil é mais complexo do que cortar gasto?, disse Bernardo.
Infelizmente, porém, o Brasil é também mais complexo do que aumentar gasto público.
Acontece que há várias maneiras de torrar o dinheiro do contribuinte. Pode-se, por exemplo, salvar um banco, uma empresa, um setor inteiro. Isso é sempre correto? Não. Se a operação de salvamento beneficia companhias que se recuperam, voltam a dar lucro e devolvem o dinheiro do governo, tudo bem. Mas muitas vezes acontece o contrário, não é mesmo?
Um outro modo de gastar é devolver o dinheiro ao contribuinte ? ou seja, reduzir os impostos pagos por pessoas e empresas, para que estas gastem e assim estimulem a demanda privada. A alternativa, a opção contrária, é o governo recolher mais impostos para ele mesmo gastar.
O que é melhor?
Em artigo no Valor Econômico, Delfim Netto observou que pesquisas recentes sugerem que provavelmente a redução de impostos é mais eficaz. Isso porque, dizemos nós, o gasto do governo pode ser atropelado por problemas diversos, de burocracia a corrupção, de projetos errados a escolhas equivocadas.
De um modo geral, analistas concordam, que gastos bons, para os fins de estimular a economia, os tais investimentos anti-cíclicos, são aqueles limitados no tempo e no projeto. Um terminal portuário, por exemplo: construiu, pagou, acabou o programa. Resta lá a obra, gerando efeitos positivos para a atividade econômica antes e depois.
Mas, como sabemos muito bem por aqui, a obra pode levar 20 anos, custar o triplo, não levar a nada.
Já aumentos de salários e de aposentadorias são gastos permanentes, quer dizer, para muitos e muitos anos, durante várias administrações. Vão muito além da situação econômica sobre a qual deveriam intervir.
Ou seja, é preciso, sim, avaliar o gasto do governo Lula. Mesmo porque parece que a coisa vai na direção errada. Investimentos em obras são as menores despesas. As maiores e que mais crescem são as de custeio, pessoal e previdência.
Além disso, o superávit primário, economia para pagar juros, está abaixo da meta oficial, conforme os dados do primeiro semestre. A dívida pública, como porcentagem do PIB, aumentou.
É claro que há um problema. Tanto é assim que, ontem, o ministro da Fazenda, Guido Mantega, convocou coletiva tão logo percebeu a repercussão negativa dos números sobre as contas públicas divulgadas nos dois últimos dias.
Isso de superávit primário é importante, um indicador de solvência. Não é um capricho do mercado. Desde 1998, o setor público faz esse superávit, todos os anos, cumprindo metas formais estabelecidas na lei orçamentária. É por isso, aliás, que o mercado está tolerante com a atual deterioração das contas. Como são mais de dez anos com essa política, tudo bem com um desvio passageiro.
O governo sabendo que não acertaria a meta deste ano, já a reduziu. (De 3,5% do PIB para 2,5%) E ainda por cima, inventou artifícios contábeis para diminuí-la ainda mais. Mesmo assim, há risco de não cumprir. Pode-se, pois dizer: num ambiente de queda de arrecadação, o governo elevou demais as despesas e as despesas menos eficientes.
Agora, o governo conta com o aumento da arrecadação para acertar as contas no segundo semestre. Em último caso, diz o ministro Mantega, haverá redução de gastos. E aí, podem apostar, serão cortadas as despesas boas, as de investimentos, pois não há como cortar salários e aposentadorias, por exemplo.
Trata-se de má gestão das contas públicas, problema que não apareceu nos últimos anos dado o fantástico ganho de receita e o aumento da carga tributária. E se o governo não acertar a meta, o aumento dos juros será imediato. Aliás, já estão ameaçando subir.

Publicado em O Globo, 30 de julho de 2009

Deixe um comentário