EUA: A CONFUSÃO DOS INDICADORES

. EUA: a confusão dos indicadores Pelos números, o consumidor americano não deveria estar gastando. Mas está Outro dia, um diretor do Federal Reserve, o banco central dos Estados Unidos, dizia que a ameaça de recessão desapareceria se “cada um de nós comprasse um utilitário novo”. Trata-se daquele tipo de jipe, mini-jipe ou quase-jipe, caros, que os americanos afluentes colocaram na moda. Conhecidos os dados de fevereiro último, verificou-se que os consumidores americanos cumpriram seu dever. As vendas de carros e utilitários leves, embora um pouco menores do que no mesmo mês do ano passado, atingiram o nível anualizado de 17,5 milhões de unidades. Para a indústria, qualquer coisa acima de 16 milhões/ano já está mais do que bom. Outros dados veiculados na última quinta confirmaram que o consumidor não está gastando apenas em carros. O consumo total cresceu razoavelmente em fevereiro, a renda das famílias também subiu e, mais uma vez, o americano gastou mais do que ganhou. A poupança foi negativa, significando que o consumidor está principalmente tomando empréstimo para turbinar os gastos mensais. A propósito, também foi razoável a tomada de financiamentos para casa própria. Portanto, como falar em recessão se o pessoal continua indo às compras? Houve alívio no mundo todo, pois a principal questão econômica do momento é saber se a maior economia do planeta – que produz US$ 10 trilhões por ano – está ou não recessão. Na sexta-feira, porém, saiu um sinal trocado. O índice que avalia o sentimento do consumidor, medido pela Universidade de Michigan e considerado um barômetro do modo como os americanos vêm a economia, caiu ao nível mais baixo em cinco anos. Em números, o índice desceu para 90,6, contra 94,7 em janeiro, sendo que qualquer coisa abaixo de 100 indica pessimismo, falta de confiança, sendo pois um número de ambiente recessivo. É lógico: um consumidor desconfiado com a situação econômica vai comprar menos e, assim, as empresas vão produzir menos, etc. etc. Temos, portanto, uma óbvia contradição. O consumo de fevereiro continuou exibindo números fortes, coisa de consumidor indo alegremente ao shopping. Mas na pesquisa o consumidor declara que não está tranquilo com a situação. Pode-se arriscar uma explicação decompondo o índice da Universidade de Michigan. No questionário que pede ao entrevistado uma avaliação de sua situação financeira atual, o resultado é melhor. O índice alcançou 105,8. Já o índice de expectativas – que mede como o consumidor vê sua situação nos próximos 12 meses – caiu para 80,8, exatos 25 pontos abaixo da avaliação da situação atual. É como se o americano dissesse: até aqui tudo bem, mas vai piorar. Também não faz sentido. Se o sujeito acha que a situação vai piorar, ele, primeiro, gasta menos e, segundo, evita comprometer-se com prestações futuras. Portanto, o consumidor não poderia estar comprando carros novos, quase todos financiados, muito menos casas, com empréstimos de 20 anos. Mas está ou pelo menos esteve até fevereiro. Talvez, é outra hipótese, os americanos estejam pensando que virá uma recessão, porém breve. Aperta neste ano, melhora depois. Pode ser. Mas há quem acredite que a imprensa explica boa parte dessa contradição entre sentimento e compras efetivas. A tese sugere que, ao responder os questionários, o consumidor guia-se mais pelo que lê e ouve do que por sua condição financeira real. Não é preciso concluir daí que o cidadão é idiota. Ele pode saber que sua situação pessoal é boa e, ao mesmo tempo, julgar, com base no noticiário de tevê, que a maioria dos outros não vai tão bem assim. São especulações, é claro, mas algo se pode concluir. Os índices que medem a confiança do consumidor nos Estados Unidos são muito consistentes. Mas o sentimento humano continua sendo subjetivo, por mais que se possa aproximar dele com perguntas e boa estatística. Ou seja, esse sentimento pode variar fora dos padrões lógicos (os da pesquisa) e obedecendo a noticiários de tevê, histórias passadas (como foi mesmo a última recessão?), temores ou sabe-se lá o que mais. E a imprensa, é claro, tem seu papel. Com uma agravante: em qualquer lugar do mundo, a imprensa tem o viés de exagerar porque a notícia – pelo menos assim sentem os jornalistas – é sempre algo que está fora da normalidade. Uma baita recessão, uma queda espetacular do mercado – isso sim é notícia. Resulta que a imprensa mostra uma visão de mundo deformada, e é isso que chega a um público cada vez mais ligado. E daí, o que se pode concluir? Na verdade, ainda não chegamos a lugar algum. Não sabemos se os indicadores apontam para uma recessão nos Estados Unidos ou para uma breve desaceleração. Mais do que isso, não sabemos se os indicadores medem de fato o que se propõem a medir. Sabemos que o mundo exibido na imprensa não espelha a situação real de cada individuo, mas não sabemos como fazer diferente. É assim mesmo, na vida e na imprensa. Cada dia aparece uma coisa diferente. Se não aparece, não vale a pena viver ou comentar. Publicado em O Estado de S.Paulo, 06/03/2001

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