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— Para o sucessor enterrar —
Lendo o Relatório do Tesouro sobre as contas do governo federal no ano passado, divulgado na semana passada, fica-se com a impressão de que a administração acelerou de maneira notável os investimentos. Diz lá que as despesas de custeio tiveram aumento de 7,2% sobre 2007, enquanto o dispêndio com capital subiu nada menos que 27,9%.
Bom, não é mesmo?
Mas olhe para outros números: as despesas totais com custeio, em 2008, alcançaram R$ 136 bilhões, isso incluindo alguns programas sociais, como o pagamento de seguro desemprego e auxílio aos idosos. Sem isso, o custeio, funcionamento da máquina, ficou em R$ 92,7 bilhões.
E os investimentos? Apenas R$ 28,2 bilhões. Isso foi o equivalente a 1% do Produto Interno Bruto (PIB). Comparando com 2007, o grande esforço do governo em turbinar os investimentos, com PAC e tudo, resultou num aumento de 0,2% do PIB.
Já as despesas de custeio equivaleram a 4,68% do PIB ? o que dá um quadro bem diferente.
E para completar: em 2008, o governo federal gastou com Previdência o total de R$ 199,5 bilhões (6,9% do PIB) e com Pessoal, R$ 130,8 bilhões (4,5%).
Eis porque o governo não pode fazer neste momento a chamada política contra-cíclica, ou seja, disparar investimentos em obras para aumentar a demanda e assim combater a desaceleração da economia. Não pode porque fez a política pró-cíclica durante a bonança: aumentou as despesas quando a arrecadação subiu espetacularmente em consequência do aquecimento econômico. E como mostram os números, os gastos continuam concentrados em tudo que não é investimento.
Acrescente-se que o governo pretendia gastar em investimentos o dobro do que efetivamente aplicou. Como em anos anteriores, não conseguiu.
Não é fácil tocar uma obra. Projeto, licenciamentos, licitações, instalação de canteiros, isso requer competência, sobretudo com a kafkiana legislação brasileira.
Quer ver um resultado? Na última sexta, o ministro da Integração, Geddel Vieira Lima, prometia apertar as empreiteiras envolvidas com as obras da transposição do Rio São Francisco. Disse que não ia tolerar mais atrasos e tal. Reagia à desistência de algumas construtoras. E olha que essa obra era ?a realização? do governo Lula.
Além disso, não basta investir. É preciso ter bons projetos que movimentem a economia enquanto são implementados e, prontos, representem ganhos de produtividade. Por exemplo, uma ferrovia que diminua o tempo e os custos de levar soja ao porto.
Na década de 90, o governo japonês gastou rios de dinheiro em obras, também no esforço para tirar o país da recessão. Deu em nada. Com a influência dos políticos na escolha dos projetos, tudo resultou em pontes do nada para lugar nenhum.
Nos EUA, a equipe econômica de Barack Obama, que se prepara para gastar uns 5% do PIB em obras, comentava outro dia que o maior problema estava sendo o de encontrar bons projetos.
E os bancos públicos?
O governo Lula está empenhado também em outra frente para estimular a economia. Pressionou os bancos públicos para que reduzam os juros e emprestem mais para pessoas e empresas, de modo a combater a crise do crédito.
A propósito, convém lembrar desta história: em meados de 1999, o
governo Bill Clinton pressionou as agências hipotecárias Fannie Mae e Freddie Mac para que flexibilizassem as regras de concessão de empréstimos e reduzissem juros. O objetivo: estender os financiamentos da casa própria as famílias de baixa renda, então classificadas no grupo ?sub-prime?.
Eis como começou a crise do setor imobiliário que só iria aparecer apenas em 2007, de sua vez dando origem à derrocada de todo o sistema financeiro.
As famílias mais pobres, majoritariamente formadas por negros e hispânicos, só conseguiam financiamento se pagassem taxas de juros de três a quatro pontos percentuais acima do cobrado em negócios convencionais. Negócio muito arriscado, era evitado por todas as partes. Assim, essas famílias ficavam de fora do boom imobiliário dos anos 90.
Por isso, o governo Clinton apertou as duas grandes agências hipotecárias, de modo a ampliar a oferta de financiamentos para os mais pobres. Podia fazer isso? Podia, as agências eram semi-estatais, privadas mas com seus títulos tendo garantia do governo.
As agências cumpriram o programa cujo objetivo era fazer com que metade de seu portfolio fosse formado pelos financiamentos a famílias de média e baixa renda.
Funcionou. Milhões de casas de até US$ 250 mil foram financiadas. O programa foi considerado um êxito notável. Até que, a partir de 2007, as duas agências simplesmente quebraram, com uma carteira lotada de hipotecas podres.
Eis o caso: o enorme desastre de um sistema financeiro desregulado ? que empacotou, securitizou, financiou e refinanciou as hipotecas sub-prime ? teve origem remota numa decisão política do governo. Bem intencionada, claro, mas obviamente mal implementada.
Atenção, portanto, ao governo Lula, que está preparando um amplo programa para financiar um milhão de casas para famílias com renda mensal de até cinco salários mínimos.
Os especialistas mostram que as famílias de baixa renda não têm condições de pagar, de modo que precisam de subsídios . Se o governo der o subsídio diretamente ao mutuário, pode ser.
Mas se o governo resolver, por exemplo, mandar a Caixa Econômica e o Banco do Brasil concederem empréstimos com critérios mais frouxos, já sabemos onde vai dar.
O governo já está pressionando os seus bancos para que concedam mais empréstimos, o que os pode levar a tomar risco elevado, futuros esqueletos.
Já aconteceu. No governo FHC, Banco do Brasil e Caixa receberam bilhões de reais para não quebrar.
Políticos adoram fazer isso. Concedem o empréstimo hoje e o banco quebra lá na frente, no outro governo.
Publicado em O Estado de S.Paulo, 02 de fevereiro de 2009