. Se non è vero . . . O Comitê de Política Monetária (Copom) é formado pelos nove diretores do Banco Central, incluindo o presidente. Quatro diretores exercem funções administrativas e, a rigor, não têm responsabilidades na formulação e execução da política monetária. Normalmente, eles votam com o presidente, o qual, também em condições normais, está sempre do lado vencedor, mesmo porque vota por último. Assim, dos seis votos favoráveis à redução da taxa básica de juros, na reunião da semana passada, provavelmente apenas um foi dado por um diretor que lida com a política monetária. Os outros três devem ter votado pela manutenção dos juros, conforme esperava o mercado financeiro, com base na conversa daqueles mesmos diretores. Resumo da ópera: o presidente do BC, Henrique Meirelles, provavelmente tratou de construir o voto pela redução, para dar um sinal positivo, mas não obteve a adesão da maioria do pessoal diretamente ligado à política monetária. O que enfraquece o sinal. As quatro diretorias voltadas para assuntos da casa são as seguintes: Administrativa (João Antonio Fleury Teixeira), Fiscalização (Paulo Sérgio Cavalheiro), Liquidações e Desestatização (Antonio Gustavo Matos do Vale) e Normas (Sérgio Darcy da Silva Alves). As quatro diretorias voltadas à elaboração e execução da política monetária são: Política Econômica (Afonso Sant’Anna Bevilacqua), Estudos Especiais (Eduardo Henrique de Mello Motta Loyo), Política Monetária (Luiz Augusto de Oliveira Candiota) e Assuntos Internacionais (Alexandre Schwartsman). Todos são economistas, sendo os dois primeiros acadêmicos da PUC-Rio. Os dois últimos saíram direto do mercado financeiro. Nos dias que antecederam a reunião do Copom (16 e 17 de março) eles andaram conversando com o chamado mercado, formado por operadores e economistas e analistas das instituições financeiras e das consultorias. Essa gente, em ampla maioria, ficou com a convicção de que não haveria redução dos juros. Na verdade, desenhou-se um quadro curioso. Boa parte desse mercado entendia que os juros deveriam cair, havendo razões técnicas para isso, mas achava que o Copom não o faria. E não o faria porque parecia estar numa posição muito firme na consideração de três pontos: altos preços da indústria no atacado; forte movimento de recuperação da produção e do consumo; risco de pressão inflacionária maior que o risco de se bloquear a retomada da economia. Além disso, Meirelles e seus diretores da área monetária insistiam que o BC estava mirando no centro da meta de inflação para este ano (5,5%, pelo IPCA, índice do IBGE), deixando a margem de tolerância de dois pontos e meio para a eventualidade de vir a ocorrer um choque no futuro. Como no jogo de dardos, ilustrou Meirelles algumas vezes, quem vai logo virando nos círculos mais distantes da mosca acaba atirando para fora da tábua. Resumindo: economistas e operadores paulistas que estiveram com Bevilacqua alguns dias antes da reunião do Copom saíram convencidos de que não haveria redução dos juros. Mas aí se formou uma enorme barreira técnica e política. A pressão da parcela do PT e da base governista que quer mudar tudo, inclusive o ministro Antonio Palocci, não é relevante. O presidente Lula não cogita dessa hipótese. O que exerceu pressão foi a crítica de dentro, do pessoal que considera bom o arranjo básico da política econômica e apóia o regime de metas de inflação. Boa parte desse pessoal entendia que havia razões técnicas para a retomada da redução dos juros. Dizia-se também que, sendo a política monetária uma mistura de ciência e arte, o momento recomendava ao menos um sinal de relaxamento para combater, digamos, o baixo astral que deprimia o ânimo de consumidores e investidores. A redução de 0,25 ponto percentual, numa taxa de 16,5%, parecia um risco pequeno diante da possível vantagem de melhorar o sentimento de confiança. Isso foram fatos. A partir daí, a especulação: é bastante possível que o presidente do BC, o cargo mais político da diretoria, em acordo com o ministro Palocci, tenha procurado construir um voto em torno desse sinal. Não parece difícil para o presidente obter o voto dos quatro diretores administrativos. Mais o dele e já eram cinco, a maioria. Precária maioria, entretanto. Os seis votos já foram um pouco melhor, mas só um pouco. O placar sugere, com enorme probabilidade, que dos quatro diretores diretamente ligados à política monetária, uma maioria de 75% deve ter votado pela manutenção dos juros. É verdade que o comunicado do BC não revela o conteúdo dos três votos contrários. Em tese, portanto, é possível que um diretor tenha votado pela redução de meio ponto e os outros dois pela estabilidade. Ou qualquer outra combinação desse tipo. Dados os antecedentes, porém, o mais provável que os três votos contrários tenham sido pela manutenção dos 16,5% e de autoria de três diretores ligados à política monetária. Isso, é claro, enfraquece o sinal dado pelo Copom. E explica o paradoxo que tomou conta dos meios econômicos depois da redução simbólica dos juros. A maioria gostou do fato, o mercado acomodou-se alegremente. Mas essa mesma maioria não gostou do que considerou a deficiente sinalização do BC, que teria levado o mercado para um lado do rio para depois desembarcar na outra margem. A contagem 6 x 3 ajuda nesse desconforto. A indecisão estaria dentro do Copom. Mas tem Copom todo mês, de modo que a coisa pode ser acertada. E nesta semana sai a ata da última reunião, que pode esclarecer um monte de coisas. Ou atrapalhar mais ainda. Veremos. Em tempo: se a nossa especulação faz algum sentido, qual o diretor da área de política monetária que teria votado pela redução dos juros? Perguntei aqui e ali e o que mais ouvi foi um nome, mas acompanhado de uma interrogação: Candiota? É o suspeito habitual, mesmo porque sendo justamente o diretor de Política Monetária, seu voto daria conforto aos diretores das áreas administrativas. Publicado em O Estado de S.Paulo, 22/03/2004
ESPECULAÇÕES SOBRE OS VOTOS DO COPOM
- Post published:9 de abril de 2007
- Post category:Coluna publicada em O Globo
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