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O voto FHC

O voto FHC

         Carlos Alberto Sardenberg

         Em circunstâncias normais, Fernando Henrique Cardoso pediria voto para a chapa Simone Tebet (MDB) e Mara Gabrilli (PSDB). FHC é simplesmente o maior nome da história do PSDB, como teórico e político, e as duas senadoras são pessoas de indiscutível valor.

         Mas as circunstâncias são anormais. Começa que o PSDB é uma ave em extinção. Há candidaturas interessantes aqui e ali, mas distantes da social-democracia, o centro-esquerda que construiu boa parte das boas instituições atuais, a começar pela moeda.

         A rigor, pode-se dizer que FHC e seus velhos companheiros não se reconhecem mais nesse PSDB. Eles sempre foram mais à esquerda e não se conformaram, em 2018, com governadores eleitos na onda bolsonarista.

         Mara Gabrilli não estava nessa onda, permanece tucana rara. Simone Tebet aparece como uma possível nova liderança em uma centro-esquerda mais atualizada. Ambas merecem o voto de FHC.

         Mas a chapa não decolou. Inversamente, o bolsonarismo mostrou-se pior do que as piores expectativas. É preciso derrotá-lo de maneira exemplar – eis um dos textos implícitos na nota de FHC, escrita por companheiros mais próximos e divulgada no último dia 22. E quem pode aplicar essa derrota é Lula.

         Sendo assim, por que FHC não pediu votos diretamente para Lula?

         Aqui pesou sua história e uma compreensão mais ampla da política brasileira. A nota defende a democracia, o combate às desigualdades, a garantia de direitos iguais, compromisso com ciência, educação e preservação ambiental, além da restauração da posição internacional do Brasil, aliás engrandecida nos dois governos FHC.

         Ora, Simone Tebet e Mara Gabrilli têm plena identidade com essas propostas. Ciro também pode assiná-las.

         Daí minha interpretação: FHC está pedindo aos brasileiros que no primeiro turno votem em Lula, Simone ou Ciro; no segundo, se houver, Lula, sem dúvida.

Reparem que a nota não traz qualquer menção a política econômica, muito menos ao tema da corrupção. Fica na política e nos princípios sociais.

Economia certamente dividiria as três chapas. FHC foi o introdutor da noção de estabilidade fiscal, monetária e das privatizações, por exemplo. Isso está na chapa Tebet/Gabrilli. Mas Lula e Ciro têm se manifestado contra.

Tebet e Ciro atacam a corrupção, Lula foge do assunto.

Eis porque a derrota do bolsonarismo, da extrema-direita e do fascismo é um passo essencial, mas não recoloca o Brasil no rumo do crescimento sustentado e socialmente justo, sobretudo porque o líder Lula não apresentou programa econômico com começo, meio e fim.

Desse ângulo, talvez um segundo turno tivesse a propriedade de levar Lula, agora com papel importante de Alckmin, a buscar alianças ao centro. A tarefa do próximo governo é complicada. Sobram problemas imediatos e estruturais: inflação, contas públicas esfaceladas, baixa capacidade de investimento público, ambiente pouco favorável ao investimento privado, desastres ambientais, sistema de combate à corrupção desmontado.

Reparem: políticas ambientais e combate à corrupção constituem hoje requisitos internacionais para o posicionamento político e econômico de qualquer país, ainda mais de um emergente grandão como o Brasil.

De outro lado, na medida em que o Ocidente perdeu a confiança na Rússia e se incomoda cada vez mais com a ditadura chinesa, o Brasil tem a oportunidade de se tornar um polo confiável.

Vejam quanto se demanda de um novo governo.

Finalmente, muitos argumentam que uma vitória de Lula no primeiro turno seria um antídoto a qualquer tentativa de golpe. Mas se há mesmo militares se preparando para um golpe, o que não se vê, tanto faria ser no primeiro ou no segundo turno.

Uma vitória esmagadora de Lula, mas com ampla coalizão no segundo turno, seria um golpe duradouro na extrema-direita. Além disso, somando os votos de Lula, Simone e Ciro no primeiro turno, isso já caracterizaria a derrota da extrema-direita.

A ver.

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