EMPREGADOS NA PJ

. Há vagas              
    
Há vagas, mas só para PJ      
Se você pedir a ?profissional? para certos rapazes e moças na faixa dos 35 anos, eles nem saberão do que se trata. Não que sejam ricos ou simplesmente relaxados vivendo às custas dos pais. São profissionais ? médicos, engenheiros, advogados, arquitetos, jornalistas, dentistas, atores ? trabalham em boas empresas ? hospitais, consultorias, escritórios, companhias de entretenimento, organizações de variados portes. Todas as firmas simplesmente exigem que aqueles profissionais se constituam como pessoas jurídicas. Querem contratos, não carteiras assinadas. Eis aí: hoje no Brasil há pessoas gerando riqueza, constituindo família e se aproximando dos 40 anos sem que tenham tirado a carteira profissional do Ministério do Trabalho.     
Não que apreciem essa situação. Se você perguntar, a grande maioria provavelmente dirá que prefere a carteira assinada, com a montanha de benefícios ali incluídos. Ocorre que não têm essa escolha. As vagas são para PJ, não para CLT. As empresas não querem assumir os encargos trabalhistas, o reverso dos benefícios.     
Esses jovens profissionais pagaram mais impostos em 2004 e vão pagar mais em 2005. Suas empresas são as tais prestadoras de serviços que têm sido alvo da Receita Federal. Não é de hoje. Faz tempo que o pessoal da Receita entende que essas PJs são apenas uma forma que certos profissionais encontram para burlar o fisco. Ou seja, são pessoas que trabalham na física, vivem na física e são empresas só na hora de acertar contas com o fisco. Até viagens à Disney são faturadas na empresa e entram como despesa. Isso, na opinião da Receita e de muita gente, cria uma situação assimétrica, desvantajosa para aqueles que, embora fazendo a mesma coisa na física, não podem ou não conseguem receber e pagar como PJs.        
É parcialmente verdade. Ou ainda, foi verdade no começo.     
O esquema foi inaugurado por profissionais liberais e autônomos bem sucedidos que perceberam as enormes vantagens tributárias de constituir empresas. Valia especialmente para profissionais de nível de renda elevado e ampla capacidade de poupança. Gente, em resumo, que nunca vai precisar da aposentadoria do INSS, do dinheiro do FGTS para comprar a casa própria ou do 13o. para financiar as férias.     
Importante: esses liberais e autônomos escolhem constituir empresa. E para o pessoal da Receita, ainda que não se diga abertamente, são uns espertalhões que estão driblando o fisco.     
A situação é completamente diferente para uma enorme quantidade de profissionais de nível médio para cima. Talvez já para a maioria da classe média brasileira. A decisão não é deles. São as empresas contratantes que, com o objetivo de reduzir custos trabalhistas, passaram a exigir que parte de seus funcionários migrasse da CLT para a PJ. Isso se generalizou de tal modo que, em certas profissões ou atividades, a carteira assinada hoje é exceção.     
 Repetindo, não é escolha dos trabalhadores. Esses profissionais não têm alternativa. Não faz sentido, portanto, a declaração do secretário da Receita, Jorge Rachid, segundo a qual as recentes medidas do fisco aumentavam a carga de pessoas e empresas que haviam escolhido um determinado regime fiscal. Elas poderiam, acrescentou o secretário, mudar de sistema ou, por exemplo, desfazer a empresa e voltar à física.     
Não podem. Se fizerem isso, perdem o emprego, desculpem, o contrato. Todos esses PJs prestadores de serviço têm sofrido elevação de carga tributária e perda real de renda. Não são espertalhões enganando o fisco, nem têm como passar os custos tributários para o contratante. Os salários, quer dizer, a prestação paga pelo contratante, continua sendo determinada pelo mercado e os contratos são anuais em geral.     
Há aqui outro equívoco de interpretação. Entende-se normalmente que esses profissionais só trabalham por serviço determinado. Por exemplo, um jornalista contratado para escrever um texto ou um médico para fazer duas cirurgias.     
Tem isso, mas não é o mais a situação dominante. No mercado hoje, o que existe é contrato de longo prazo, em que um profissional, via sua PJ, é contratado para exercer uma atividade regular, com pagamento mensal quase fixo. Êpa! – mas isso deveria ser pela CLT, dirão a Receita e o Ministério do Trabalho.     
Ora, todo mundo sabe disso, inclusive o Ministério do Trabalho, que tem ampliado a fiscalização no governo Lula. Tem conseguido barrar algumas situações completamente esdrúxulas, mas é só. Em vez de passar para CLT, os profissionais têm sido obrigados a redefinir a escopo social de suas PJs e a modificar contratos, com mais custos.     
Porque esse pessoal tem custos pesados. A moça que pretende ter filho, por exemplo, precisa fazer poupança prévia porque não tem a licença maternidade. Não trabalhou, não recebe. Não tendo 13o., também precisam poupar para as férias e para as festas de fim de ano. E precisam tomar cuidado para não faltar muito, porque o contrato é renovado todo ano. E não tem indenização trabalhista.     
Esse pessoal tem que fazer previdência privada e pagar integralmente seus planos de saúde. Só contam com seus próprios recursos ? e não com FGTS ? para a casa própria.     
Repetindo, não são espertalhões driblando o fisco. São profissionais que estão pagando a conta do inviável regime trabalhista brasileiro. Muita gente no atual governo entende que a saída é uma enorme fiscalização da Receita, do Trabalho e da Previdência para inviabilizar os contratos via PJ e levar todos de volta à CLT.     
Com certeza, esses profissionais, na grande maioria, adorariam . As moças sonham: cinco meses em casa para cuidar do bebê!     
Mas a grande maioria também sabe que essa ampla fiscalização levaria a, primeiro, uma desorganização do mercado e, depois, a uma reacomodação,  com mais custos e/ou vencimentos menores para os profissionais e suas PJs.     
Na verdade, só há uma maneira de mexer efetivamente na situação atual, é com a reforma trabalhista. A atual legislação, com o suposto objetivo de proteger amplamente todos os trabalhadores, já não atende nem ricos nem pobres.     
Os pobres simplesmente caem na informalidade, obrigados a trabalhar sem carteira, sem contrato. São os sem-CLT e sem-PJ. Já os de nível médio para cima tornam-se PJ, com mais custos e menos direitos. E ainda com a fama de espertalhões sonegadores. Publicado em O Estado de S.Paulo, 17/01/2005  

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