. O Plano B do mercado e dos meios econômicos Se os números não resolveram, então tem de ser na base da conversa. Ou, se os US$ 30 bilhões fornecidos pelo Fundo Monetário Internacional não serviram para estabilizar a economia, então quem sabe um entendimento entre o governo atual e o futuro construa a ponte da transição. Eis a finalidade das reuniões que o presidente Fernando Henrique Cardoso resolveu manter com os candidatos Luís Inácio Lula da Silva, do PT/PL, e Ciro Gomes, da Frente Trabalhista. Claro, a agenda incluiu conversas também com José Serra, PSDB/PMDB, e Anthony Garotinho, do PSB, mas isso é só para constar. Com Serra, seu candidato, o presidente fala toda hora. E, convenhamos, se o tucano estivesse na frente nas pesquisas, nada disso seria necessário, nem FMI, nem conversas com os candidatos. Com Garotinho não há o que falar, pois, sem dinheiro e sem palanques estaduais, sua participação na corrida eleitoral é cada vez mais simbólica. O assunto, portanto, é com Lula e Ciro. Se alguém tinha dúvidas sobre a origem da atual crise financeira, que já se espalha pela economia real, com a falta de crédito e de investimentos, o que aconteceu depois do acordo com FMI deve ter dissipado as últimas. Resumindo, o acordo diz, número por número, que não faltarão dólares para o atual governo cumprir seus compromissos externos nos últimos seis meses e para o próximo governo nos seus primeiros 12 meses. Considerando que a dívida interna é plenamente administrável, mesmo sob circunstâncias difíceis como as atuais, e que só haverá calote se o governo quiser, por que dólar e juros sobem, enquanto caem a bolsa e os títulos brasileiros no exterior? Falta de confiança no próximo governo, entendendo-se que será um governo Ciro ou Lula, conforme a expectativa dominante hoje. Na verdade, o pessoal dos meios econômicos está considerando o Plano B – vitória da oposição – faz escolhas, mas claramente não está satisfeito com elas. A prova: o mercado financeiro compra o risco FHC, mas não o risco Ciro ou Lula. Dito de outro modo, o BC e o Tesouro só vendem títulos que vencem no curtíssimo prazo, antes da posse do próximo governo (janeiro próximo) e antes mesmo das eleições de outubro. Mas quem é o pessoal dos meios econômicos? Inclui, por certo, o mercado financeiro. Ali estão especuladores, sem dúvida, mas estão principalmente executivos, operadores e funcionários que movimentam o dinheiro de seus clientes, vale dizer, cuidam do patrimônio, da poupança, do capital de investimento e de giro de empresas e pessoas físicas. Também estão nos meios econômicos os executivos, operadores e funcionários que tocam as empresas, decidem investir ou segurar os negócios, comprar ou vender e assim movimentam a economia real. Essas pessoas não somam os votos suficientes para decidir uma eleição. Mas formam opinião, avançam largamente pela classe média que trabalha ou tem parentes naquelas empresas e que tem sua poupança justamente no mercado financeiro local, em reais. Com base não em pesquisas, mas em observações pessoais colhidas neste Brasil afora, nas últimas semanas, este jornalista arriscaria três conclusões: 1) para a maioria esmagadora, tanto no setor financeiro quanto nas empresas do setor real, o Plano A é o candidato do governo, Serra; 2) falhando este, o mercado financeiro começa a enxergar Lula como o Plano B; 3) nas empresas, o pessoal parece preferir Ciro como a alternativa B. Há explicações para as três posições. A preferência por Serra ocorre mesmo entre executivos e empresários que se queixam amargamente do excesso de impostos e da falta de crescimento no governo FHC. No geral, esse pessoal dá crédito para as mudanças e avanços obtidos na era FHC, acha que o presidente poderia ter feito mais – não perdoa o abandono da reforma tributária – mas entende que Serra pode ser o complemento natural. Na verdade, se para algum setor pegou essa história de “continuidade sem continuísmo”, foi justamente nos meios econômicos, financeiros e empresariais. O Plano B divide. No mercado financeiro, as pessoas se apóiam mais na recente conversão de Lula ao superávit primário e ao acordo com o FMI, posição confirmada em nota oficial assinada pelo candidato e divulgada em 8 de agosto. E desconfiam de Ciro, primeiro porque o candidato da Frente Trabalhista tem sido vacilante e dúbio, para dizer o mínimo, a respeito dos tais fundamentos – superávit primário, metas de inflação, câmbio flutuante e, agora, o acordo e as relações com o FMI. E, segundo, porque quando olham em torno de Ciro e topam com ACM, Sarney, Borhausen, Brizola, Tasso, Antonio Britto, Martinez, Roberto Freire, Paulinho da Força Sindical, não conseguem imaginar o que um governo com essa variedade vai fazer com o orçamento e a dívida. Já no setor produtivo, as pessoas estão preferindo Ciro por entenderem que seu governo, qualquer que seja a força dominante, será mais amistoso com as empresas. E desconfiam de Lula por causa do MST (no agribusiness, um ramo moderno e avançado, o candidato do PT é simplesmente impensável), da CUT e dos setores mais à esquerda do partido. Imaginam que esses quadros podem ocupar posições de destaque nos ministérios da Agricultura, Trabalho e Previdência, por exemplo, e assim adotar posições hostis às empresas ou que aumentem enormemente os custos de produção, forçando aumentos salariais e benefícios trabalhistas já considerados uma carga excessiva. É verdade que o vice de Ciro é um líder sindical, Paulo Pereira da Silva, mas sua turma, a da Força Sindical, sempre foi moderada e aberta às reformas. Mas é sempre Plano B, a escolha do menos ruim. Há mais desconfiança do que convicção. No fundo, todos acham que há sempre algum disfarce nas campanhas dos candidatos que lideram as pesquisas. Uns não acreditam na moderação de Lula, pensam que é simplesmente jogada para obter os votos do centro. Outros não acreditam no esquerdismo e oposicionismo de Ciro, entendendo que é simplesmente jogada para obter os votos dos que querem a mudança. Eis aí a confusão nos meios econômicos. Para alguns, Lula é o esquerdista de sempre em pele de moderado. Para outros, Ciro é um moderado, amigo dos velhos caciques, em pele de esquerdista. Para alguns, Lula realmente mudou para o centro. Para outros, Ciro de fato foi para a esquerda. Não é de admirar a falta de confiança em relação ao próximo governo. Daí o efeito passageiro do acordo com o FMI, que, entretanto, foi excepcional para o atual e o próximo governo. Fornece financiamento mais que do que suficiente para o atual governo (US$ 6 bilhões) e o próximo (US$ 24 bilhões), sem contar os recursos do Banco Mundial e do BID. É verdade que cobra um superávit primário por mais tempo – o que limita a ação do futuro governo – mas, por outro lado, alivia as metas de inflação, o que permitirá ao Banco Central, agora e no próximo governo, manter uma política de juros menos restritiva e, portanto, mais favorável ao crescimento. Ou seja, o acordo foi uma ação política do FMI e do governo atual. Não pede mais do que os oposicionistas possam aceitar ao menos por um certo tempo. São enormes os incentivos racionais para que o próximo presidente tope o negócio. Mas já houve ocasiões neste país em que o racional não prevaleceu. Daí as conversas de Fernando Henrique com os candidatos. Seu objetivo terá sido plenamente atingido se conseguir um compromisso tão formal quanto possível em torno de alguns pontos – especialmente o acordo com o FMI – de modo a tentar recompor a confiança. É uma ação delicada para FHC, que não pode dar a impressão de que jogou a toalha para seu candidato nem que a manobra é para salvá-lo. Para Lula e Ciro, o problema é entender-se com o presidente que atacam sem perder o discurso de campanha. Mas estes dois já estão sendo chamados à responsabilidade de governantes. Deles, basicamente, depende a administração da crise. Publicado na revista Exame, edição 773, data de capa 21/agosto/2002
ELEIÇÕES – O PLANO B, CIRO OU LULA?
- Post published:9 de abril de 2007
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