ECONOMIA E POLÍTICA EM TORNO DA GUERRA

. Há chances de se evitar o pior No curto prazo, mercados e expectativas oscilarão conforme o andamento da guerra. Tudo que indicar um desfecho rápido aparecerá nas telas dos operadores financeiros como preço do petróleo em queda e bolsas em alta. Por exemplo: na última sexta, o preço do petróleo tipo Brent, em Londres, caiu abaixo dos US$ 25 o barril, o nível mais baixo desde novembro. Inversamente, a cada sinal de dificuldades para as tropas americanas e britânicas, os mercados pioram. Como o noticiário de guerra é sempre fragmentado e impreciso, há espaço para muita volatilidade ao sabor de boatos e informações equivocadas. Como diziam os velhos correspondentes de guerra: “Não há notícias? Mande rumores”. Cabe qualificar alguns termos desta análise. Desfecho da guerra é a tomada de Bagdá e a queda do regime de Saddam Hussein, não importando o que aconteça com o ditador, seus filhos e principais colaboradores. Desfecho rápido é coisa de 60 dias – ou seja tudo estaria terminando em meados de maio. Uma guerra rápida é, obviamente, mais barata. A primeira guerra do Golfo, de 1991, custou aos EUA, em dinheiro de hoje, cerca de US$ 80 bilhões, então equivalente a 1% do Produto Interno Bruto (PIB), mixaria. Hoje o PIB americano ultrapassa os US$ 10 trilhões, de modo que um gasto equivalente colocaria essa despesa pouco acima dos US$ 100 bilhões. É mais ou menos o cálculo feito por diversos analistas. Uma guerra curta custaria ao governo americano algo em torno de US$ 120 bilhões, sendo metade de gastos militares diretos e o restante na ocupação e reconstrução do Iraque. Nesse cenário, os danos para a economia mundial seriam desprezíveis. Em pouco tempo tudo estaria funcionando normalmente e companhias internacionais estariam disputando um grande negócio, as obras de reconstrução do Iraque. Nisso, o capitalismo é imbatível: ganha-se dinheiro vendendo armas e depois ganha-se dinheiro levantando o que as armas botaram abaixo. No caso, o Iraque apresenta uma vantagem comparativa: seu território guarda a segunda reserva mundial de petróleo, de modo que o futuro governo terá como financiar a reconstrução. É evidente que companhias americanas, britânicas e dos paises aliados (Espanha, Japão, Austrália, etc.) terão prioridade, circunstância, aliás, que explica parte das desavenças entre os grandes. Gostemos ou não, há negócios por trás da diplomacia e das declarações pela paz. Hoje, por exemplo, o petróleo iraquiano é explorado por empresas francesas, russas e chinesas, conforme contratos assinados com o governo de Saddam. Este caindo, os negócios mudam. E o Brasil nisso tudo? Bem, já há companhias de engenharia, por exemplo, prospectando a possibilidade de trabalhar no Iraque. Outro dia, o ministro do Desenvolvimento, Luiz Fernando Furlan, comentou que a preocupação de alguns países em aumentarem seus estoques de produtos estratégicos, por precaução, acabou propiciando uma alta nas exportações brasileiras, especialmente de combustíveis, produtos siderúrgicos e alimentos. Criticaram o ministro por estar falando em ganhos econômicos de uma guerra. Mas não foi o governo brasileiro que começou isso. Sequer apoiou. De maneira que Furlan estava apenas observando fatos. Companhias aqui instaladas, nacionais e multinacionais, têm aumentado suas exportações para os países árabes em geral, de modo que têm interesse na geopolítica. No momento, por exemplo, a movimentação dos navios cargueiros é mais perigosa e o preço dos seguros aumenta. Ou seja, também aqui, a hipótese de guerra curta é a melhor para a economia internacional e, pois, a brasileira. A propósito, há dinheiro sobrando no mundo, de modo que a restauração do ambiente de paz e entendimento estimularia os investimentos internacionais. Inversamente, uma guerra longa será uma tragédia – humana e econômica. Só para lembrar: os EUA gastaram na guerra do Vietnã cerca de 12% do seu PIB. Isso enriqueceu o chamado complexo econômico-militar, mas quebrou as finanças públicas americanas, com as consequências de praxe: endividamento, inflação, taxas de juros mais elevadas, queda dos investimentos, recessão. Poderão os iraquianos resistir como os vietnamitas? Muito difícil. No Vietnã, tratava-se de uma verdadeira guerra de libertação nacional, em nome de uma ideologia comunista. Havia uma ditadura no Vietnã do Norte, é certo, mas em nada comparável com o regime de Saddam Hussein, que serve aos interesses dele, de sua família e seus amigos, todos com dinheiro espalhado pelos paraísos fiscais mundo afora. Além disso, o Vietcong era um exército de militantes, apoiado e armado pela então União Soviética e pela China. Hoje, não passa pela cabeça dos adversários da guerra (França, Alemanha, China, Rússia) fornecer armas a Saddam. Nem os países árabes fazem isso, mesmo porque seus dirigentes jamais apreciaram Hussein e suas ambições imperialistas de construir o Grande Iraque. Resumindo, a hipótese de guerra longa no Iraque é mais do que remota. O regime de Saddam cai. Mas a questão é saber o que acontece depois. No Iraque, pode ocorrer um conflito generalizado entre os diversos grupos que se opõem a Saddam, sendo impossível a formação de um novo governo. Isso exigiria que tropas americanas e britânicas ficassem por lá muito mais tempo, tentando administrar a confusão, tudo sem o aval das Nações Unidas. Só isso já criaria instabilidade na região. Outro risco está na eventual disposição do governo Bush de avançar contra os demais “eixos do mal”, Irã e Coréia do Norte, e os adversários mais fortes do mundo árabe, como a Síria, sempre por conta própria, sem o respaldo da ONU. Nesse caso, a instabilidade se daria não apenas na região, mas em todo mundo. A divisão entre os principais países se aprofundaria, as incertezas políticas seriam elevadas. Ora, não há nada que atrapalhe mais a atividade econômica do que medo e insegurança. Tal ambiente, que seria equivalente ao de uma guerra longa, ameaçaria a globalização em todos os seus aspectos. Para começar, as negociações em andamento para abertura dos mercados estariam liquidadas. O fracasso da ONU arrastaria as demais instituições internacionais. O terrorismo islâmico encontraria terreno fértil. Os investimentos e os negócios internacionais se reduziriam. Em resumo, o mundo entraria numa fase de tensão política e recessão econômica. Para variar, países emergentes, como o Brasil, sofreriam pesadamente. Pois é exatamente a feiúra desse cenário que deve levar as lideranças mundiais a buscarem o caminho contrário. O secretário-geral da ONU, Kofin Anan, já tem falado nisso: recuperar a diplomacia logo depois de uma guerra curta, de tal modo que, por exemplo, a reconstrução do Iraque seja uma tarefa internacional. Outros dirigentes têm falado a mesma coisa. Mas talvez a variável mais importante seja a política interna nos EUA. Há oposição nada desprezível a Bush. O principal jornal do país, o New York Times, manifestou-se claramente contra a guerra sem o aval das Nações Unidas. Idem para o Washington Post. Isso é reflexo de parte importante da opinião pública. Esta, na maioria, hoje apóia a guerra, mas supondo que seja curta, com limitadas perdas humanas, barata e limitada a banir um ditador sanguinário. A circunstância muda se o quadro internacional for piorando. Não esquecer. Foi a opinião pública americana que, no final das contas, acabou a guerra do Vietnã. Publicado em O Estado de S.Paulo, 24/03/2003

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