ECONOMIA E ELEIÇÕES: LULA X LULA

. Lula x Lula Não poderia ter havido contraste mais expressivo. Em Brasília, na última quinta, empresários ouviam com atenção e civilidade os quatro presidenciáveis competitivos apresentarem propostas moderadas para um futuro governo tranquilo e pacífico. No mercado financeiro, a maior agitação: empresas e investidores, brasileiros, note-se, nervosamente compravam dólares e vendiam ações. Em Brasília, na reunião promovida pela Confederação Nacional da Indústria, vivia-se um ambiente de normalidade democrática. Os quatro candidatos tratados em pé de igualdade e estes, cada um a seu modo, garantindo que as empresas teriam dias melhores em seus respectivos governos. Fora dali, empresários e executivos certamente acompanharam os debates pela tevê mas o que queriam mesmo saber eram outras coisas: qual o resultado da próxima pesquisa eleitoral? Quem é o alvo da próxima denúncia? Não é necessário código especial para reagir a esses sinais. A regra é muito simples: Lula em alta, compre dólares e venda ações; Serra em alta, o contrário; Lula em alta e Serra em baixa, ao mesmo tempo, compre mais dólares e se livre de ações. Muita gente acha – e outros não acham, mas dizem porque fica politicamente bem – que tudo é coisa de especulador estrangeiro de mercado financeiro. Não é. Quem sai comprando dólares são empresas brasileiras que têm compromissos na moeda americana – importação, pagamento de empréstimos – e assim tratam de se proteger de desvalorizações futuras. Inversamente, exportadores seguram seus dólares, esperando a mesma desvalorização que, para eles, é fonte de lucros em reais. Ou seja, no mercado financeiro não estão apenas bancos e especuladores nacionais e estrangeiros, mas empresas e pessoas defendendo seus negócios, seus investimentos, sua poupança. Negócios, investimentos e poupanças feitos aqui mesmo, brasileiros. O caso argentino tem suscitado inquietações pessoais do tipo: como proteger a aposentadoria privada? Como deixar a salvo a poupança de uma vida toda, hoje aplicada em títulos do governo? Claro que há também especulação, boato e informação privilegiada – por exemplo, a respeito de pesquisas eleitorais ou das capas das revistas semanais – mas tudo em cima de uma base real. E esta base, no momento, nos meios econômicos, é clara como água: o pessoal tem medo de Lula e ponto final. Também tem medo de Anthony Garotinho (mais do que de Lula) e desconfia de Ciro Gomes, mas isso por enquanto não é importante porque os dois estão atrás nas pesquisas. Não é que o pessoal das empresas e do mercado morra de amores por José Serra. Mas é o candidato deles simplesmente por ser a sequência mais próxima do governo Fernando Henrique. Essa turma – formada pelos agentes econômicos que de algum modo estão do lado do capital, das empresas, dos negócios e da poupança- também não morre de amores pelo governo FHC, mas por motivos bem diferentes daqueles manifestados pelos eleitores de Lula. Entre a “turma do capital”, para simplificar, o governo FHC é culpado por não ter feito uma reforma tributária que reduzisse impostos; por não ter concluído a reforma da Previdência, especialmente a dos servidores públicos; por não ter avançado na reforma do Estado de modo a reduzir gastos; por não ter feito a reforma das leis trabalhistas; por não ter dado mais subsídios às empresas, etc. etc. Inverta tudo isso e se terá bronca dos eleitores de Lula. Na verdade, havia e, pode haver, um ponto de interesse comum entre parte dos empresários e os lulistas. Ambos querem proteção à indústria nacional – nacional entendida não como propriedade de brasileiros, mas as fábricas aqui instaladas. Não seria difícil um acordo entre indústria automobilística e CUT, promovido por um governo Lula, para impor barreiras à importação, combinado com regras de reajuste de preços e salários. Só que essa bandeira da proteção à indústria brasileira está sendo roubada pelo candidato do PSDB, José Serra. Assim, é bastante possível que Serra obtenha o apoio quase unânime dos meios econômicos, ainda que em graus diferentes. Dos conservadores, ortodoxos e liberais, que acham o tucano algo esquerdista e atrasado, porque não têm outra opção. Dos que acham a gestão Pedro Malan muito conservadora, porque vêem em Serra a chance de combinar ortodoxia nas contas públicas com governo ativo no apoio a certos setores da economia. Isso não dá voto no primeiro momento. Dá apoio para a campanha, doações, influência junto às elites, sustentação política importante entre formadores de opinião – e daí, sim, votos. Além disso, esse pessoal, sentindo-se assustado e indo à compra de dólares (e venda de ações), pode criar um ambiente de crise que em nada ajuda o candidato do PT. Trata-se de um ponto essencial, já percebido por Lula há muito tempo mas não por todo o PT. A crise aguda leva o eleitorado ao conservadorismo. Exemplo: nas eleições de 1998, no auge da crise econômica internacional, cujo vendaval balançava o Brasil, o eleitor preferiu dar folgada maioria a FHC a arriscar algo diferente com Lula. Não apenas no Brasil, mas em qualquer lugar, é difícil que a oposição ganhe a eleição em meio a uma crise forte e com a proposta de mudar isso tudo que está aí. Isso gera mais medo e insegurança do que a crise do momento. A maioria do eleitorado está no centro e daí prefere a mudança suave, sem sobressaltos, na base do “viemos bem até aqui, tranquilo, mas podemos ficar com isso e algo mais”. A nova postura de Lula caminha nessa direção. Favorecido pela circunstância: o momento econômico atual não é de crise – pelo menos nem de longe vivemos situação parecida com a de 1998. Então, pergunta-se, por que o pessoal – aquela turma descrita acima – continua com medo de Lula e gerando instabilidade a partir daí? Simples. O medo refere-se ao Lula anterior, ao PT anterior. Ambos são recentes e seus traços estão por aí. Um exemplo atual: o PT entrou no Supremo Tribunal Federal com uma representação contestando a Lei de Responsabilidade Fiscal quando esta estipula tetos diferenciados para gasto com pessoal no Executivo, Legislativo e Judiciário. Mas depois os governadores petistas do Rio Grande do Sul, Mato Grosso do Sul e Acre pressionaram a direção do partido para mostrar que a LRF era muito boa para organizar a administração, inclusive no que se refere aos tetos para pagamento de pessoal. A direção ficou com os governadores. Mas uma parte importante do partido – especialmente os sindicatos dos funcionários públicos ligados à CUT e, pois, ao PT – continua querendo derrubar a LRF. Assim, a proposta de reforma da LRF – sem se dizer em quais itens – consta do documento aprovado no XII Encontro Nacional do PT, um modelo de radicalismo e da tese “contra isso tudo neoliberal que está aí”. Eis o problema. Para aparecer de fato como o homem da moderação, aliado ao centro, Lula precisaria se separar ostensivamente do Lula e do PT anteriores, pois o medo em relação a estes gera a instabilidade que prejudica o Lula de hoje. Conseguirá? Publicado no Estado de S.Paulo, 13/05/2002

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