. Então ficamos assim: no Brasil, os juros sobem, o dólar sobe e a bolsa cai por causa das bolsas americanas. O que suscita pelo menos duas questões: o que está acontecendo com as bolsas americanas? E como funciona a correia de transmissão de lá até aqui?
Não são questões triviais, especialmente neste momento. Quando o mercado financeiro internacional entra nesse circuito de altas e quedas acentuadas e instantâneas, uma das primeiras vítimas é justamente a capacidade de entendimento.
Não que faltem explicações. Ao contrário, são abundantes. Mas como está todo mundo concentrado no curtíssimo prazo, ponto de observação facilitado e estimulado pelo noticiário on line, frequentemente perde-se o fio da meada.
Acontece então que se apresenta como explicação algo que é simples relato de fatos. Ao longo da últimas semanas colecionamos algumas teses desse tipo. Teses, é modo de dizer. Elas contêm mais perplexidade do que razão. Confira alguns exemplos:
A Bolsa de São Paulo, Bovespa, está atrelada à Nasdaq, bolsa de Nova York na qual se negociam as ações das empresas de tecnologia (da chamada Nova Economia). Por que está atrelada? Bem, porque a Bovespa acompanha os movimentos da Nasdaq. E por que acompanha? Porque ambas são mercado de risco. Ora, como se fosse a mesma coisa o risco Microsoft e o risco, digamos, Eletrobrás. De todo modo, a Bovespa sempre cai quando a Nasdaq cai. Sempre? Bem, às vezes a Bovespa esquece a Nasdaq e "foca" no Dow Jones, índice da Bolsa de Nova York que engloba as 30 maiores empresas, incluídas as mais tradicionais. E por que "foca" no Dow Jones em determinados dias? Bem, talvez por causa do humor do mercado… Sempre que as bolsas americanas caem, a Bovespa cai. É lógico, a queda nos EUA causa pânico, pois um eventual crash na economia americana seria ruim para o Brasil e, aliás, para o mundo todo. Mas altas fortes das bolsas americanas também geram insegurança e derrubam mercados aqui. É lógico, se as bolsas não cedem, Alan Greenspan, o presidente do Federal Reserve, Fed, banco central do Estados Unidos, pode ser levado a aumentar mais os juros americanos. E todo mundo sabe que juros altos nos EUA representam má notícia. Quer dizer então que se as bolsas americanas caírem para um nível razoável e lá ficarem, o ajuste estará feito e a turbulência cessa? Sim, mas ninguém sabe qual é o nível de estabilidade das bolsas. Quando Nova York sobe, pode ser um sinal de recuperação, mas também de recuperação excessiva, prenúncio de novas quedas. A queda do preço das ações nos EUA é um fato positivo. Isso tira a confiança do consumidor, que passa a comprar menos, o que desaquece a economia de modo que o comércio não pode aumentar preços. Eliminada a ameaça de inflação, o Fed suspende a alta de juros. A queda no preço das ações nos EUA é uma grande ameaça. Vai empobrecer as famílias e as empresas. Com as primeiras reduzindo consumo e as segundas, o investimento, a maior economia do planeta entra em recessão e arrasta todo o mundo. Os juros subiram no Brasil por causa da turbulência externa. Mas como o cenário local é muito positivo, não há motivo para se alterar a trajetória declinante do juro. Só que a trajetória já foi alterada e os juros já subiram. O mercado financeiro internacional passou por aguda instabilidade até 16 de maio, à espera da decisão do Fed sobre a taxa de juros. O mercado apostava numa alta de 6% para 6,5% – o que de fato aconteceu. Fim da instabilidade? Claro que não. E a reunião de junho? Os juros mais altos que o governo brasileiro paga nos seus títulos não refletem mudança de expectativa em relação á política econômica local. Ou seja, a expectativa é sempre positiva, mas os juros podem subir ou cair. O importante são os bons fundamentos da economia brasileira. Mas bons fundamentos não nos tornam imunes à turbulência externa. Nesta semana, é a vez do Banco Central brasileiro decidir sobre a taxa de juros. A opinião dominante é que vai manter os atuais 18,5% ao ano. Explicações: a expectativa em relação à economia brasileira permanece positiva, de modo que não será preciso elevar os juros, nem alterar a trajetória declinante futura; ou as expectativas pioraram, de modo que se deve interromper a queda de juros. Escolha o leitor: os juros ficam em 18,5%, mas isso pode ser bom ou ruim. Um pouco de lógica
Correndo o risco de cair nas mesmas bobagens, relacionemos aqui alguns pontos que parecem certos:
Os indicadores sobre a economia brasileira ? economia real, ali onde estão as pessoas produzindo e vendendo – continuam positivos. Pode-se resumir assim: há uma sólida recuperação da atividade econômica, em ambiente de inflação baixa, contas públicas equilibradíssimas e contas externas não tão bem, mas bem melhores que em períodos anteriores. Nesse quadro, juros, bolsas e dólar caminham na contra-mão da economia real. O problema no mercado financeiro vem de fato dos Estados Unidos, não propriamente das bolsas, mas da expectativa em relação ao futuro próximo da economia americana. Vale aqui uma das imagens preferidas de Greenspan: a economia americana é um imenso transatlântico que se aproxima do porto, podendo atracar suavemente ou trombar nas docas e destruir tudo. A economia funciona como o enorme navio: você precisa brecar aqui para que ele pare lá na frente. Ou seja, Greenspan espera que a alta de juros de hoje provoque, em algum ponto à frente, uma suave desaceleração. Mas ainda não há sinais óbvios disso, permanecendo no ar o temor de crash. O que nós temos a ver com isso? A cadeia de transmissão passa pelas contas externas. O Brasil, neste ano, precisa captar no exterior US$ 50 bilhões para fechar as contas externas, isto é, para completar pagamentos de importações, remessas de juros e lucros e renovação de empréstimos. Ou seja, precisamos de investimentos e empréstimos externos. Uma crise nos EUA derruba o mercado financeiro internacional, os investidores fogem do risco e aplicam apenas em títulos dos países desenvolvidos, seguríssimos. E podem faltar os nossos US$ 50 bilhões. Na escassez de moeda americana, a cotação do dólar sobe por aqui, mas sobe para valer, muito mais que essa cotação de hoje. Dólar caro gera inflação, inflação gera juros altos ? e eis a trajetória de recuperação interrompida. Mas quanto mais sólidas forem as bases da economia local, menor o baque. Conclusão: temos que cuidar de nossos problemas e torcer para que Greenspan acerte a mão.
(Publicado em O Estado de S.Paulo/ 22/05/00)