. Confusões
Do governo
A proposta de orçamento do governo federal para 2008 prevê que os gastos com o pessoal terão um aumento nominal de 10,8%. Trata-se de um valor muito superior ao que seria permitido caso tivesse sido aprovado o Projeto de Lei Complementar número 1, enviado pelo próprio governo ao Congresso Nacional.
Esse projeto estabelece o seguinte: o gasto com pessoal da União, em um determinado ano, será o equivalente ao que se gastou no ano anterior, mais a inflação (medida pelo IPCA) mais 1,5% de aumento real. Por essa regra, a folha total de 2008 poderia subir apenas 5,56%, considerando-se inflação de 4%.
Ainda em março deste ano, o ministro do Planejamento, Paulo Bernardo foi à Câmara dos Deputados defender o projeto. Sua exposição ainda está na página do Ministério (www.planejamento.gov.br) e merece ser lida. Ali está explicado como os gastos com pessoal têm crescido fortemente e de modo imprevisível, de modo a alcançar hoje 26% da despesa primária (exclui pagamento de juros).
O problema, como mostra o ministro, é que a regra atual estabelece que os gastos com pessoal têm um limite em relação à receita. Ora, quando a arrecadação cresce, como neste momento, isso abre espaço para a ampliação da folha de salários. Espaço rapidamente preenchido pela pressão dos diversos poderes, sendo que os mais fortes, como Judiciário, acabam levando mais.
Isso cria uma complicação para os períodos de vacas magras, quando o país não cresce e a arrecadação tributária estaciona.
Como, na prática, é impossível demitir funcionários ou reduzir seus salários, o ajuste só pode ser feito com aumento de arrecadação tributária.
Tudo considerado, explica o ministro Bernardo, dá nesta situação de hoje: aumento frequente da folha, acima da inflação e do crescimento real da economia, com categorias muito bem remuneradas e outras ganhando mal.
Daí a necessidade de reforma, de modo a começar por um limite na expansão desses gastos, previsto no tal PLC/1/07, apresentado como demonstração da preocupação do governo com o futuro das contas públicas.
Tudo jogado no lixo. Na formulação da projeto orçamentário para 2008, o Ministério do Planejamento acolheu as propostas que levaram a esse aumento nominal de 10,8% nos gastos com pessoal, prevendo-se a contratação de dezenas de milhares de funcionários.
Pode-se dizer que o Congresso ainda não votou o projeto que impõe limites, de modo que o governo não precisa respeitá-lo. Mas se o próprio governo diagnosticou o problema e apresentou a solução, já poderia seguí-la, não é mesmo? O projeto foi ao Congresso com a assinatura do presidente Lula.
O mesmo presidente, porém, disse nesta semana que choque de gestão é contratar funcionários e aumentar salários. Como pode então concordar com aquela proposta de limite?
O primeiro ponto é que a proposta nunca foi bem entendida dentro do governo. Alguns diziam, por exemplo, que o projeto garantia a cada servidor um reajuste salarial anual repondo a inflação mais 1,5% de ganho real ? o que seria consagrar a tendência de crescimento explosivo dessa despesa.
Mas a regra vale para a totalidade da folha. Para o ano que vem, por exemplo, como o governo prevê contratar mais funcionários, só esses novos servidores levarão a uma expansão da folha. E pode comer toda a margem de 5,56% de aumento nominal que seria permitido pela nova regra. Ou seja, os funcionários já admitidos poderiam ficar o ano todo sem qualquer reajuste.
Solicitado a esclarecer, o ministro Bernardo e seus assessores garantiram que valia esta última interpretação, restritiva.
Mas o presidente Lula chegou a dizer, em mais um auto-elogio, que estava garantindo aumento real para os funcionários. Agora, garante não apenas aumento salarial, como novas e muitas contratações.
Resumo dessa ópera: o ministro Bernardo vendeu uma idéia e seus colegas de governo, incluindo presidente, entenderam como se fosse outra. O primeiro queria limitar, os outros pensavam em gastar, aproveitando o boom da arrecadação. Venceram estes.
A idéia de limitar decorre da tese de que o gasto público em expansão é um problema econômico. Durante algum tempo, o governo até aceitou esse discurso, topando falar de propostas para redução de gastos e de impostos.
Como a economia melhorou e a arrecadação de impostos decolou, voltou a dominar o velho DNA petista, de que tudo se resolve com a ampliação do Estado. Quando a arrecadação parar de crescer assim, o problema do gasto público vai impor um enorme limite à capacidade de crescimento do país. Já está impondo.
Aliás, quem quiser saber como é esse problema, acesse a exposição do ministro no site do Planejamento.
Publicado em O Globo, 04 de outubro de 2007