DIREITA, ESQUERDA

. Artigos Liberais de esquerda, Socialistas de direita Existe neoliberalismo de esquerda? Como teoria pronta e acabada, não. Mas pelo menos uma pessoa se define como neoliberal de esquerda, a economista Eliana Cardoso, que assim se apresentou em artigo no jornal Valor Econômico (8/11, página A11). Trata-se, ela explica, da posição política que propõe uma mistura de economia de mercado – capital, propriedade privada, como forma de organizar a produção e comércio – com o “ideal de uma melhor distribuição de renda”. Talvez se pudesse acrescentar um outro ingrediente nessa mistura: políticas que produzam benefícios para a maior parte da população. Faz diferença. Antigamente, quando liberalismo era o oposto de esquerda (socialismo), tudo que fosse a favor do capital privado, era de direita. Contra, de esquerda. Assim, estatizar empresas só podia ser uma política socializante. Privatizar, de direita. Mas o que acontece quando as estatais, aqui e em toda parte, revelam uma vocação inata para serem ineficientes e atenderem clientela privilegiada? Terminam destinando dinheiro público para minorias – e isso não pode ser nem liberalismo, nem socialismo. É uma espécie de uso particular do dinheiro público. Nesse caso, privatizar a empresa, devolvê-la ao capital e à economia de livre mercado, é necessariamente uma política liberal. Ao mesmo tempo, porém, essa privatização elimina uma grave distorção social, o uso de dinheiro público em benefício de minorias privadas. É portanto uma política a favor das maiorias não privilegiadas. Isso seria de esquerda? E assim vamos complicando as coisas. Oferecer ensino público gratuito sempre foi uma bandeira da esquerda. Mas quando surge um sistema no qual os mais ricos estudam de graça na universidade pública e os mais pobres pagam nas escolas particulares – então cobrar mensalidade na universidade pública é um modo de cobrar imposto dos mais favorecidos, uma política progressista, portanto. Banco central independente para manter a inflação no chão – isso é conservador ou progressista? Pagar a dívida pública, por exemplo, é de direita ou de esquerda? Com sorte, se o país e os partidos políticos evoluíram aos tempos modernos, teremos esse tipo de debate nas próximas eleições presidenciais. E nesta página, com certeza. Em tempo: perguntei a Eliana Cardoso o que seria o contrário de neoliberal de esquerda. Socialista de direita? Sua resposta: “Claro, contrario do liberal de esquerda (progressista, democrata) é o socialista de direita (o cara a favor do estado gigante, dominador, autocrático)”. Argentinos O artigo da semana passada provocou uma certa comoção na comunidade argentina no Brasil. Pelo que entendi das diversas manifestações, ninguém reclamou do conteúdo do artigo, basicamente uma análise da crise argentina e do modo como é vista desde o mercado financeiro brasileiro. O que pegou foi o título, “Los Boludos”, tomado por alguns – vá lá, muitos – como grave ofensa. Para quem não se lembra ou não leu, o artigo contava como o mercado financeiro, aqui, explicava a instabilidade das últimas semanas. Você liga para um operador e pergunta porque a bolsa está caindo e o dólar subindo, se a economia brasileira segue em crescimento e com inflação baixa. “Los boludos”, diz o operador, e você entende que a instabilidade vem da crise argentina. Ocorre que a expressão, lá em Buenos Aires, é uma gíria com vários significados, conforme explicaram em carta ao Estado o presidente e o secretário do Clube Argentino em São Paulo, Pedro C. Stelian e Héctor M. Nemirovski. Quando usada entre amigos, não tem nada de mais. Mais ou menos como você exclamar – mas que bababaquice! – quando um amigão que lhe conta ter feito uma enorme bobagem, como brigar com o chefe ou tomar uma brincadeira por ofensa. Claro que, se um aluno diz isso à sua professora, é ofensa. A questão é: por que, entre tantos sentidos da expressão, argentinos aqui radicados foram considerar logo o ofensivo? Sobretudo porque essa interpretação colide com o texto do artigo. Lá pelas tantas se diz que os operadores brasileiros falam “los boludos” com um certo sentimento de satisfação e vingança, pois durante muitos anos, quando a Argentina ia bem e o Brasil, mal, os operadores argentinos diziam, com indisfarçado ar de superioridade, que toda instabilidade no Mercosul era culpa de “los brazucas”. Observava o artigo: “Não é um bom sentimento, nem inteligente. Estamos todos no Mercosul, seria bom que a Argentina fosse muito bem”. Eis aí, pessoal: somos todos hermanos, estamos todos no mesmo barco emergente. De modo que podemos combinar: nem nós nos ofendemos com os “brazucas”, nem vocês com os . . . . . – e não se usa mais a palavra como prova de boa vontade. Aliás, a diretoria do Clube Argentino entendeu, como diz na sua carta, que o artigo estava usando a desastrada expressão no sentido que vale entre amigos. Ainda assim, tendo o texto circulado via Internet, desfechou uma avalanche de manifestações nada amistosas. A tal ponto que o próprio secretário Nemirovski colocou uma nova mensagem na Internet dizendo, em resumo, que: não havia se sentido ofendido; que não é surpreendente que se use para identificar os argentinos uma palavra “que tanto e tão mal utilizamos”; que o objetivo da Carta foi apenas esclarecer e “de maneira alguma começar a terceira guerra mundial”; de modo que seria melhor “desarmar espíritos”. Tempos atrás, em um seminário em São Paulo, uma autoridade brasileira comentava que a hipótese de guerra contra a Argentina, que por tanto tempo circulou entre certos setores, havia trazido graves prejuízos aos estados do Rio Grande do Sul, Santa Catarina e Paraná. Por temor de uma invasão argentina, não se faziam obras nas regiões de fronteiras – estradas, pontes, rede elétrica e de telefone – para impedir que essas facilidades viessem a cair em mãos inimigas. Pois logo uma autoridade argentina – cito de memória, não me lembro dos nomes – contou que seu governo havia feito a mesma coisa nas suas regiões fronteiriças, concluindo: significa que os generais dos dois lados temiam perder a guerra. Depois da gargalhada, seguiu-se o seminário, que era sobre o Mercosul, a melhor coisa que Brasil e Argentina já fizeram juntos e que é de união, não de guerra.

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