DILEMAS DO PT

. O dilema do PT que quer ganhar A teoria conspiratória apareceu de novo na cena política na semana passada, desta vez no lado da esquerda. No programa Roda Viva, Luiz Inácio Lula da Silva, sugeriu que alguém mais além do MST pode ter sido responsável pela invasão da casa da família do presidente FHC na fazenda de Buritis. “Pensem, a quem interessa isso?” – foi como Lula propôs a especulação. Ele próprio recusou-se a especular, certamente para não colocar mais lenha na fogueira. Mas outros dirigentes petistas deram algumas pistas. Como se explica que não havia policiamento na fazenda? – perguntaram. Finalmente, em conversas reservadas, lideranças do primeiro time do PT disseram que há infiltração no MST, assim como havia infiltração no movimento sindical do ABC, quando Lula começava sua carreira. A infiltração aqui se refere à ação de policiais do serviço secreto, de modo que a especulação sugerida pela direção petista tem um sentido obrigatório: uma ação da Abin, Agência Brasileira de Inteligência, órgão do Gabinete de Segurança Institucional da Presidência, chefiado pelo general Alberto Cardoso, e/ou da Polícia Federal, esta sob as ordens do ministro da Justiça, Aloísio Nunes. A lógica, portanto, é a seguinte: a invasão da casa da família de FHC, um ato radical, de uma estupidez política sem tamanho, atingiu a candidatura de Luiz Inácio Lula da Silva, pois embora o PT não mande no MST, são históricas as ligações entre ambos. A quem interessa bombardear a candidatura Lula? Ao governo federal, embarcado que está na candidatura do senador José Serra. Logo … Assim, a esquerda se juntou ao PFL, para o qual a invasão do escritório da governadora Roseana Sarney em São Luís, onde se encontraram os pacotes de 1 milhão e mil trezentos reais, também foi uma ação da Abin e da PF. Na semana passada, comentamos aqui que a teoria conspiratória só ficaria em pé se fossem confirmadas três suposições: primeira, que o governo FHC e o pessoal de Serra fossem capazes de um maquiavelismo à beira da perfeição; segunda, que mandassem na Justiça Federal e nos procuradores; terceira, que a Abin e a PF fossem de uma eficiência capaz de fazer inveja ao FBI e à CIA. Ou seja, a teoria não pára de pé. A mais recente teoria conspiratória também só se sustenta se você acreditar que agentes da Abin e/ou da PF tenham se infiltrado no MST e ali militado durante alguns anos, para que assumissem posição de liderança. E uma liderança competente e forte, capaz de induzir e comandar uma ação tão arriscada como essa de ocupar a casa da família de FHC. Dá para acreditar? Pode-se dizer que é função da Abin e da PF vigiar o MST assim como todos os movimentos suspeitos de atividades ilegais. É certo que no movimento sindical do ABC, anos 70 e 80, havia agentes secretos circulando. Mas, primeiro, a maioria foi apanhada e escorraçada e, segundo, jamais algum deles chegou a militar nos sindicatos ou passou perto de alguma posição de liderança. Na verdade, os agentes secretos costumavam ser alvo de chacota pela facilidade com que eram descobertos. Além disso, quem já teve acesso aos relatórios do antigo SNI e da atual Abin surpreende-se com a pobreza e a obviedade das informações. Carlos Lacerda dizia que o SNI não funcionava às segundas-feiras, porque não havia jornais a recortar. (Eu mesmo, quando repórter em Brasília no final dos anos 70, fui parar uma vez numa reunião supostamente secreta promovida pelo SNI para explicar a jornalistas e políticos como funcionavam movimentos esquerdistas na América Latina. Para entrar na reunião você tinha de garantir que nunca revelaria nada do que ali se dissesse, nem mesmo que a reunião ocorrera. Pois não deram nenhuma informação que não pudesse ser encontrada na imprensa e ainda mostraram crença em versões absolutamente fantasiosas. Contei a história numa reportagem para a revista Veja, com os cuidados que a época, do regime militar, exigia). Parece que a coisa não mudou muito. Assessores do presidente FHC contam que ele vive reclamando da precariedade das informações que recebe. Em resumo, é mais provável que a culpa da Abin seja outra: não ficou sabendo de algo que acontecia debaixo de seus narizes. A resposta para a pergunta de líderes petistas – como não havia ninguém para proteger a fazenda? – pode ser muito mais simples: porque os agentes dormiram no ponto, faltaram ou acharam que o MST havia desistido da invasão e desativaram a vigilância. Mas fica a pergunta: como o pessoal do MST pode ter embarcado em ação tão estúpida e prejudicial à candidatura Lula? Ocorre que a esquerda radical, como a direita, parece estúpida só quando se tenta entendê-la do ponto de vista da política não radical. Para quem está na esquerda e acredita que Lula pode ganhar a eleição presidencial e governar normalmente com uma base de apoio ampliada até o centro e mesmo o centro-direita, como é o PL, e ainda acredita sinceramente que esse governo vai melhorar o Brasil, então é uma estupidez invadir a casa do presidente. Mas para quem está mais à esquerda e acredita que um presidente eleito nas regras da democracia burguesa, apoiado pela direita, vai acabar traindo o movimento, então ações radicais como a invasão da fazenda do presidente e as dezenas de outras ocupações prometidas pelo MST fazem todo o sentido. O objetivo não é ajudar a candidatura Serra, mas arrastar Lula de volta para a esquerda que o pessoal do MST e seus aliados consideram a verdadeira. E se acabar ajudando Serra? Não tem muita importância, pois para aquele pessoal não vale a pena Lula ganhar com uma aliança de direita. Se a alternativa é Serra ou Lula com o PL, a turma radical acha melhor que o petista perca. Ou seja, não houve conspiração. Houve mais um episódio em torno da situação atual do PT: a tensão entre caminhar para o centro, para poder ganhar e governar, ou isolar-se no gueto da esquerda. Lula condenou a invasão e percebeu claramente que foi um ato contra sua estratégia. Mas quando ele e outros dirigentes deixam circular as especulações sobre a conspiração ou admitem explicações segundo as quais os companheiros do MST cometeram uma “bobagem”, então perdem uma enorme oportunidade de se separarem claramente da banda radical. Adiam um movimento que mais dia menos dia precisarão fazer, se é que pretendem ganhar e governar. Uma última observação: se a turma de FHC/Serra consegue conspirar tão espetacularmente à direita e à esquerda, a eleição está liquidada. Mas não está. Publicado em O Estado de S.Paulo, 01/04/02

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