DESIGUALDADE SALARIAL

. Começando pelos mais ricos     
Dois mil operários do Polo Industrial de Manaus foram colocados em férias coletivas por causa da greve dos auditores fiscais da Receita Federal. Linhas de produção estão paradas porque as fábricas não recebem os componentes importados, retidos na alfândega. O problema se repete nos principais portos e aeroportos comerciais, já que a greve dos auditores está perto de completar dois meses. Começou em 2 de maio.     
O que querem os auditores? Reajuste imediato de 57% para o piso da carreira, de 27% para o teto e de 50%  para os aposentados. Esses números, alega o sindicato da categoria, o Unafisco Fiscal, recolocariam os vencimentos no valor real de janeiro de 1995.     
Hoje, o salário inicial de um auditor é de R$ 7.500. No topo da carreira, chega a quase 10 mil. Na realidade brasileira, são bons salários sob qualquer critério que se considere.     
Por exemplo, o salário médio real nas seis principais regiões metropolitanas, medido pelo IBGE, está em torno de mil reais. Um auditor começa ganhando sete vezes mais. Outra comparação possível: no ano passado, o Produto Interno Bruto per capita (dividindo-se o valor da produção nacional pelo número de habitantes, uma aproximação do nível de renda das pessoas) foi de R$ 10.500/ano. Assim, o auditor no começo da carreira ganha mais de nove vezes o PIB per capita e se coloca entre os 5% mais bem remunerados da população brasileira.     
Com os reajustes pleiteados, o vencimento inicial vai para R$ 11.800 e o final para R$ 12.600. Mas isso é apenas uma reposição de perdas imediata, sustenta o sindicato. Para o médio prazo, o Unafisco está reclamado um novo plano de carreira, pelo qual o salário inicial vai a R$ 16.300 e o final, a R$ 20.400 ? o que colocaria esses funcionários no topo da distribuição de renda, no grupo dos 1% mais ricos.     
Por essas comparações, não parece nada razoável a pedida dos auditores. Está certo que é uma função das mais importantes no serviço público ? simplesmente arrecada o dinheiro que movimenta o governo – exige diploma universitário e muito mais que isso para passar no concurso e exercer suas atividades com competência.     
Mas os salários atuais já são bons na realidade brasileira. Será muito difícil, raríssimo mesmo, encontrar salário inicial  de 7,5 mil reais no setor privado. Na verdade, esse é o salário de gerentes nas áreas administrativa, de comércio exterior e fiscal, profissionais com anos de experiência. Gerentes de produção e financeiros ganham mais, mas, na média, não alcançam o  vencimento maior da carreira de auditor fiscal. Além disso, seria razoável que o governo remunerasse seus funcionários de modo a colocá-los no grupo dos 1% mais ricos? Entretanto, os auditores fiscais têm razão de reclamar. Ocorre que há carreiras parecidas no setor público ? exigindo níveis semelhantes de qualificação e com funções igualmente importantes ? com salário inicial de 20 mil reais, três vezes mais do que o dos auditores. É o caso de juízes, promotores e procuradores, inclusive na área fiscal. Também há salários assim no Legislativo e no Judiciário, de modo que os auditores fiscais têm razão quando reclamam: por que eles e não nós? Além disso, a Comissão de Constituição e Justiça da Câmara dos Deputados acaba de aprovar projeto de lei que cria um novo plano de carreira para o Judiciário, justamente onde se encontram os servidores mais bem remunerados. O custo total é de R$ 5,2 bilhões. Esse projeto já havia sido aprovado na Comissão de Finanças, de modo que a Câmara está dizendo o seguinte: há dinheiro e o novo plano é constitucional. Por que não seria assim para os auditores fiscais? Isso mostra mais uma vez a desordem que é o setor público no Brasil. O que decide o salário de uma categoria não é seu mérito, a importância de sua função, a quantidade de trabalho, mas o poder de loby, a capacidade de estar perto dos gabinetes que decidem. E, lógico, de ter bom trânsito no Congresso, como se diz. Como já comentamos aqui, isso explica por que os piores salários são dos funcionários que estão mais perto dos usuários (policiais nas ruas, médicos nos hospitais, professores nas salas de aula) e mais longe dos gabinetes estratégicos. Mas isso já sabíamos. Assim como sabemos que falta uma reforma do setor público. O que há de novo no cenário atual é uma farra dos reajustes de servidores. De um lado, há uma questão de tempo. Daqui a pouco começa a campanha eleitoral, quando reajustes salariais para servidores não poderão mais ser concedidos. Portanto, há poucas semanas para arrancar os aumentos. Além disso, o governo Lula estimulou essa corrida pelos reajustes, ao concedê-los para várias categorias e ao anunciar que tinha mesmo essa disposição de recuperar os vencimentos dos funcionários. Ora, há salários claramente baixos e que precisam ser recuperados. Mas há salários notoriamente exagerados e que deveriam, ao contrário, ser congelados, enquanto se corrigia o pessoal de baixo. E advinhe, caro leitor, cara leitora, quais serão ?recuperados??  Publicado em O Estado de S.Paulo, 19 de junho de 2006

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