Desconstrução secreta

Você tem um posto e vai fazer a compra habitual de gasolina e diesel, na refinaria

da Petrobrás. Quando checa a nota fiscal – epa! o preço subiu? – pergunta ao funcionário da estatal.

Ele: “estamos praticando esse preço”.

“Percebi, mas aumentou quando e quanto?”

“Não anunciamos, só praticamos”.

Você ainda não perdeu a paciência e observa:

“Cara, se eu fizer a conta, eu descubro de quanto foi o aumento. Por que você não me diz logo?”

“Porque nossa presidente disse que não se anuncia”.

Essa conversa termina aí, mas haverá outras, que vão se modificando conforme, digamos, a interpretação dos envolvidos.

No posto de gasolina, o motorista manifesta a mesma surpresa: “Que preço é esse?”

O frentista: “É esse mesmo e é melhor você não perguntar muito”. E, sussurrando: “parece que o aumento é secreto”.

“Nossa! Mas ainda pode pagar com cartão?”

Próximo ambiente: uma corretora de Nova York, com o operador encarregado dos papéis da Petrobrás falando com o colega no Brasil:

“Afinal, o preço do combustível sobe ou não por aí?”

Pausa para o leitor: a Petrobrás, durante meses, foi obrigada pelo governo a vender o combustível por um preço inferior ao que pagava lá fora. De janeiro de 2011 até aqui, estima-se que tenho acumulado um prejuízo de mais de R$ 60 bilhões com isso. Objetivo do governo: segurar a inflação brasileira. Consequência óbvia, desequilíbrio financeiro da estatal, desvalorização das ações.

Volta à conversa da corretora. O operador brasileiro: “olha, o preço vai aumentar, se já não aumentou, mas não se sabe de quanto.”

O colega americano: “Um aumento secreto? Mas é uma empresa pública, com investidores no mundo todo”.

O brasileiro, meio chateado: “Pois é, é o que me perguntam os clientes brasileiros”.

“E aí, o que a gente faz? Vende ou compra?”

O brasileiro, se divertindo: “Isso também não se anuncia, se pratica”.

“What?”

“Deixa pra lá”.

Eis a situação a que está exposta a Petrobrás, uma das maiores companhias do mundo. Depois de dez horas de reunião, em dois dias, para aprovar o balancete do terceiro trimestre e o aumento de preços, tudo que disse a presidente da companhia, Graça Foster, foi aquele achado: “Aumento não se anuncia, se pratica”.

Talvez quisesse dizer que não se anuncia antecipadamente. Sabe como é, se todo mundo sabe que a gasolina vai subir daqui a três dias, os postos ficarão congestionados. O problema é que Graça Foster vem dizendo há meses que a empresa precisa aumentar o preço de venda do combustível. E deixa claro que não faz isso porque o governo, dono da Petrobrás, não autoriza.

O ministro da Fazenda, Guido Mantega, é também o presidente do Conselho de Administração da estatal, órgão, aliás, que deve aprovar balanço e tarifas. Mantega ora diz que preço é problema da Petrobrás, ora que é do Conselho no qual ele manda. De fato, o governo tem sete membros num Conselho de dez integrantes.

Foi esse Conselho que fez aquela longa reunião, terminada na última terça, sem comunicação ao público.

Há um outro problema, talvez mais grave, o  do balanço, auditado pela PwC, empresa internacional, que obviamente está preocupada com a repercussão das denúncias feitas em delação premiada pelo ex-diretor de Abastecimento, Paulo Roberto Costa.

Se o que ele falou for verdade, então a Petrobrás foi assaltada por anos a fio, sem que os controles internos (havia?) e a auditoria externa percebessem.

Até aqui, o resultado dessa complexa situação foi o pedido de licença do presidente da Transpetro, Sérgio Machado. A Transpetro é a maior subsidiária da Petrobrás. Costa afirma ter recebido propina de R$ 500 mil reais das mãos de Machado. Este, indicado para o posto na chamada cota pessoal do senador Renan Calheiros, nega tudo.

A licença foi um modo de contornar a situação. Fora, ele não assina o balanço que tanto preocupa os auditores da Pwc. Seria o suficiente?

A presidente Dilma disse, na sua campanha, que a oposição pretendia acabar com a Petrobrás. Como está em curso um processo de desconstrução das mensagens de campanha, será que a presidente resolveu, digamos, assumir essa tarefa?
Não, sem sentido.

Mas há alguma desconstrução. A alta da taxa básica de juros, decretada pelo Banco Central três após a eleição, foi o primeiro passo. O aumento da gasolina e do diesel seria o segundo.

O terceiro seria a gfaxina na Petrobrás. O quarto, a nomeação de um ministro da Fazenda amigável ao mercado. O quinto, um forte ajuste das contas públicas, com corte de gastos e/ou aumento de impostos.

E se for mesmo por aí – há dúvidas razoáveis – tanto os eleitores de Dilma quanto os de Aécio poderão se perguntar: a gente votou em quem mesmo?

E correm o risco de ouvir: desconstrução não se anuncia, se pratica.

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