DEPOIS DO FMI

. Sem o FMI, na hora da verdade O debate em torno de política econômica aproxima-se de uma situação interessante: o acordo com o Fundo Monetário Internacional termina no início do ano que vem e provavelmente não será renovado, por desnecessário. Nesse tipo de acordo, sempre em tempos de crise, o FMI empresta dinheiro a um país quando este não consegue financiar-se normalmente no mercado. Em troca dos dólares, o Fundo exige determinados comportamentos – como a manutenção de superávit primário nas contas públicas – de tal modo que o devedor se ajeite e venha a honrar o débito. Nos últimos 20 meses, o cenário internacional tem sido muito favorável, com crédito externo abundante e barato para governo e empresas brasileiras. Na verdade, governo e empresas têm reduzido suas dívidas externas. Há riscos pelo ar, mas não se vislumbram crises, de modo que o mundo deve continuar mais para o benigno. E a economia brasileira, mesmo com os juros ainda altos, voltou a crescer e deve continuar assim no ano que vem. Ou seja, não há mais necessidade do dinheiro do FMI. Tanto que o governo Lula nem tem sacado o que já está à disposição. Portanto, o ministro da Fazenda, Antonio Palocci, pode apertar as mãos do diretor geral do FMI, Rodrigo Ratto, e dizer: “OK, valeu, hein! Mas não precisamos mais”. Palocci pode até chamar o pessoal do Fundo para um jantar de despedida e convidar também o ex-ministro Pedro Malan, que negociou e assinou o primeiro acordo, herdado pelo atual governo. Página virada. Mas o interessante não está aí. Está no seguinte: o governo Lula e o PT perdem um dos argumentos que usaram para justificar uma política econômica que, se não é igual à do segundo mandato de FHC, é muito, mas muito parecida. Era mais ou menos o argumento da herança maldita: pegamos uma situação de crise externa e interna, o acordo com o FMI estava em vigor, não valia a pena confrontar os mercados nem inventar novidades em tal ambiente. E agora? A crise acabou, o acordo esta expirando, as mãos estão livres. O que o governo vai fazer? Nada, responde no ato o ministro Palocci. Continuar exatamente na mesma batida. O debate, aliás, apareceu nas duas últimas semanas, levantado por setores do PT que perderam as eleições municipais. A culpa seria justamente da falta de mudanças e de novidades na política econômica. Mas essa política está funcionando, repete Palocci, sem perder a paciência. E não era uma política de crise, acrescenta, mas para o resto da vida. Tanto é assim, disse o ministro na semana passada, que “possivelmente não teremos acordo com o Fundo no ano que vem, mas vamos manter o superávit fiscal”. E para os que pedem mudanças fortes, uma nova marca, Palocci põe a bola no chão. Precisamos, disse, de “muitos mandatos de boa condução econômica”, não importa qual partido esteja governando. Prestemos atenção nesse ponto. Quer dizer que “boa condução econômica” não é de esquerda nem de direita, não é do PT nem do PSDB, não é do FMI nem do Fórum Social, é apenas “boa”. E qual é a boa? A resposta, hoje, em qualquer país do mundo é assim: 1) não pode ter inflação (e o regime de metas é o melhor para controlá-la); 2) o governo, em geral, tem que gastar menos do que arrecada e manter a dívida pública abaixo de certos limites; 3) contas externas equilibradas, redução do endividamento em moeda estrangeira. E, quer saber? Não é mérito nenhum fazer isso. Praticamente todos os países emergentes fazem assim. E os que não cumprem todos os parâmetros, como é o caso do Brasil, estão seguindo a ortodoxia para alcançá-los. É assim, portanto: quem está fora dessas regras, está fora do mercado; quem as cumpre, não faz mais que a obrigação. Como, então, um país pode atrair investimentos, nacionais e estrangeiros. Como pode, enfim, estimular o crescimento? Mudar o modelo, ser mais ousado na derrubada dos juros, romper com o mercado financeiro, desafiar o capital, ser mais nacionalista – é o que se ouve dentro e fora do PT e do governo. Não é que se ouve do ministro Palocci. Perguntando na semana passada sobre como fazer para sustentar o atual momento de crescimento econômico, deu sua receita: estabilidade macroeconômica, respeito a contratos, aumento da escolaridade, desenvolvimento do sistema de crédito e eficiência institucional. Em outras palavras, melhorar o ambiente de negócios, facilitar a vida de quem ganhar ou gastar dinheiro honestamente. Como, nesse contexto, reduzir os juros? Não é de um golpe, nem tirando coelhos da cartola, disse o ministro, mas com um monte de medidas microeconômicas que, a médio prazo, levem na direção da “ segurança de contratos, garantia de redução do custo de controvérsias, melhoria institucional e redução tributária”. Dois exemplos: primeiro, os empréstimos pessoais com desconto em folha de salários, cujos juros já são a metade da praça, isso sem tabelamentos ou mágicas; segundo, as novas regras para o crédito imobiliário, como a criação do patrimônio de afetação e a redução tributária. E pode-se citar ainda a Lei de Falências, que está em votação no Congresso. Palocci disse isso tudo na semana passada, para diversas platéias, de ONGs ao Conselho Econômico de Desenvolvimento Econômico e Social, valhacouto de críticos e defensores de novos modelos. De maneira que vai chegando a hora da verdade para o governo Lula, o PT e seus aliados. O acordo com o FMI se acaba, a emergência cedeu, a herança maldita está resolvida. E agora? Está na hora do PT mostrar sua cara, dizem alguns. A cara do governo é essa mesma que está aí e é boa, de crescimento, diz Palocci, óbvio líder da tendência que se convencionou chamar de moderada. O presidente Lula vai escolher a cara com que se apresentará em 2006. A manutenção da atual política econômica significa uma linha de perseverança, moderação, sem aventuras e cuja melhor resultado a ser obtido é a manutenção do crescimento, com eficiência administrativa. Só isso? – dizem alguns petistas, como se fosse simples fazer um bom governo. A alternativa é arriscar uma “grande mudança”, mas é um salto no escuro. De outro lado, a segurança do atual caminho sugere uma pergunta aos eleitores, especialmente os da classe média: se eles, governo e PT, não podem entregar a grande mudança que prometeram ou na qual deixaram que o povo acreditasse, se a questão é de eficiência na boa condução da economia, então pode ser o Alckmin, não é mesmo? Publicado em O Estado de S.Paulo, 15 de novembro de 2004

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