DEPENDÊNCIA DE CAPITAIS EXTERNOS

. VULNERABILIDADE EXTERNA   Um país é vulnerável quando depende de financiamentos, empréstimos e investimentos do exterior para fechar suas contas. Brasil, por exemplo. No conjunto das transações com o exterior, o Brasil registra hoje um déficit em torno de US$ 27 bilhões/ano. Isso inclui o comércio exterior (exportações menos importações) mas também diversos outros itens, como remessa de lucros, pagamento de juros e dividendos, gastos com transporte e viagens ao exterior. O movimento é sempre nos dois sentidos, mas uma pela outra, o Brasil fica com uma conta a pagar em torno daqueles US$ 27 bilhões, chamado o déficit em transações correntes. No ano passado, toda essa conta foi paga, com sobra, pelos investimentos diretos externos (IDE), dinheiro trazido pelas empresas para aplicar aqui em fábricas, bancos, redes comerciais, telecomunicações, energia e assim por diante. É o chamado “dólar bom”, por oposição ao dólar das aplicações financeiras, dito especulativo. Na verdade, todo dólar que entra é bom, mas isso por ora não vem ao caso. O assunto é hoje é vulnerabilidade externa, que se manifesta nas contas de 2001. O IDE está diminuindo e deve ficar entre US$ 17 e US$ 20 bilhões, conforme as diversas análises que circulam nos meios econômicos. Mesmo que se realize o máximo previsto, ainda assim as contas externas não fecham pois o déficit em transações correntes será de pelo menos US$ 27 bilhões. Há mais, entretanto. Todo ano, vencem empréstimos e financiamentos externos que precisam ser pagos ou renovados. Somando as renovações a serem feitas ao déficit nas transações correntes, então o Brasil fica precisando captar lá fora – como empréstimo, financiamento ou IDE – algo entre US$ 50 e 60 bilhões/ano. É muito. Esse dinheiro vem – ou deve vir – essencialmente dos países desenvolvidos e das instituições internacionais. No caso destas, o financiamento é dado para projetos específicos (dinheiro do Banco Mundial para o metrô) ou para enfrentar crises (caso dos recursos do FMI). Há ainda financiamento de governos, mas esses dólares “chapa branca” são complementares. O grosso do dinheiro externo vem de fontes privadas – multinacionais que investem em seus negócios no Brasil, bancos e fundos internacionais que emprestam e/ou compram papéis brasileiros, emitidos pelo governo ou por empresas privadas locais. Vai daí que se as coisas vão bem nos países desenvolvidos, sobretudo nos EUA, há dinheiro para aplicar no Brasil (e nos demais países emergentes). As multinacionais ganham dinheiro e ampliam seus negócios mundiais, as empresas se capitalizam nas bolsas americanas (como as da Internet até o ano passado) e se espalham pelo mundo afora, os fundos de investimento e de pensão recebem mais contribuições e assim têm mais dinheiro para investir. Idem para os bancos e assim vai, com os países emergentes recebendo o dinheiro que impulsiona suas economias. É claro que isso também depende de políticas locais. Se o país emergente arruma sua economia de tal modo que crie um ambiente propício ao crescimento, será um hospedeiro preferencial. Mas é possível que a política econômica local esteja bem encaminhada e o mundo desenvolvido entre em crise. É a diferença entre o Brasil deste ano e o do ano passado. Não há diferença substancial no quadro interno, exceto pelo racionamento de energia, mas as coisas começaram a piorar antes de faltar luz. Ou seja, a vulnerabilidade externa se manifestou quando as coisas pioraram lá fora – com a desaceleração dos EUA arrastando para baixo o mundo todo – e provocando uma redução generalizada nos fluxos de investimentos externos para os países emergentes. A crise argentina também veio em cima desse pano de fundo. Tudo considerado, faltam dólares ao Brasil neste ano, o real se desvaloriza, a inflação sobe, o Banco Central eleva os juros e toda as complicações aparecem. Ora, dizem muitos analistas, igualmente à esquerda e à direita, se não houvesse vulnerabilidade externa, tudo seria diferente. É verdade, mas como evitar essa vulnerabilidade? Um caminho seria aumentar a poupança interna, a formação local de capital de modo a se precisar menos do capital dos outros. Não é simples. A renda nacional é baixa, as necessidades de consumo básico são elevadas, o governo gasta muito (e despoupa). Depende de reformas internas, como reduzir gastos com aposentadorias, o que é politicamente complicado. Passa-se então ao outro caminho, o mais citado, que é o de gerar um enorme saldo no comércio exterior. É bom ter esse saldo quando ele vem do aumento das exportações e não da redução das importações. Mas há duas observações a fazer. Primeira, não é simples formar uma máquina exportadora. Segunda, não elimina a vulnerabilidade externa. Neste momento, algumas das maiores máquinas exportadoras do mundo e que têm contas externas superavitárias (Cingapura, Taiwan, Coréia do Sul) estão em recessão. Simples: seus clientes pelo mundo afora estão comprando menos. São vulneráveis pelo outro lado. Em resumo, não há meios de o mundo emergente ir bem quando o desenvolvido vai mal. Mas as reações são diferentes, melhores ou piores, conforme a situação interna de cada emergente. Tema de um próximo artigo. (Publicado em O Estado de S.Paulo, 03/09/2001)

Deixe um comentário