Você já ouviu: a Lava Jato foi longe demais; a Lava Jato destruiu empresas; o combate à corrupção atropela as leis e ameaça os direitos dos acusados.
Mas você terá lido apenas nos últimos sete dias: na terça passada foi deflagrada na Paraíba a Operação Calvário, para investigar políticos e empresários suspeitos de desviar R$ 134 milhões de recursos públicos; há uma semana, a Polícia Federal do Pará deflagrou a Vissauin, segunda fase da Operação Carta de Foral, cujo alvo é uma organização suspeita de fraudar recursos licitações e contratos públicos em dez municípios do Estado; um dia antes, na quarta, 11, a Polícia Federal e a Controladoria Geral da União em Alagoas colocaram nas ruas a Operação Florence Dama da Lâmpada, em busca de políticos e funcionários públicos acusados de participar de fraude superior a R$ 30 milhões.
Há coincidências interessantes nas três operações. Nos casos da Paraíba e Alagoas, apura-se o desvio de dinheiro destinado à prestação de serviços de saúde pública. No Pará, trata-se da movimentação suspeita de R$ 30 milhões do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação.
Sim, isso mesmo, saúde e educação, de longe as áreas em que é o maior o fracasso do setor público.
Tem mais: na Paraíba, foi pedida a prisão do ex-governador Ricardo Coutinho (PSB). Houve busca e apreensão na residência oficial e no palácio do atual governador, João Azevêdo (Sem partido) e em locais de trabalho de deputadas estaduais e membros do Tribunal de Contas do Estado da Paraíba. Treze pessoas foram presas logo de início.
No Pará, foi cumprido um mandado de busca e apreensão no endereço do vice-governador Lucio Vale. A PF também fez buscas no palácio do governo do estado. Na primeira manhã da operação, 11 pessoas estavam presas.
Em Alagoas, foi presa a filha do vice-governador, Luciano Barbosa, que é Lívia Barbosa. Outras dez pessoas foram presas, incluindo Pedro Silva, o marido de Lívia, e gerentes de hospitais do Estado em Arapiraca. A acusação é de fraudes na compra de materiais e na prestação de serviços de órtese, prótese e materiais especiais.
Tem mais coincidências.
Na Paraíba, o caso maior, R$ 120 milhões do dinheiro desviado teriam sido entregues para agentes políticos nas campanhas de 2010, 2014 e 2018.
Em Alagoas, os R$ 30 milhões foram desviados nos últimos três anos, segundo as denúncias.
E finalmente, no Pará, a investigação visa fraudes praticadas de 2010 a 2017.
Repararam? É tudo recentíssimo, de ontem. A Lava Jato começou em 2014 e já chegou a 69 operações bem sucedidas, que, entre outros efeitos, recuperaram R$ 14 bilhões.
Repararam também que esses três casos que citamos aqui passam por governos estaduais, assembleias legislativas e até um tribunal de contas, o órgão encarregado de fiscalizar o bom uso do dinheiro público?
Ou seja, continuaram roubando mesmo no auge da Lava Jato. Simplesmente achavam que não seriam apanhados e que, se por acaso o fossem, não iriam para a cadeia. E mais: achavam, como acha muita gente, que “pegar” um dinheiro do governo, um ripo de “remuneração política”, é a regra do jogo. Qual o problema?
Muita gente continua pensando assim e achando que tem razão. Não é verdade que o Supremo barrou a prisão após condenação em segunda instância? Não é verdade que tentaram impor limites aos órgãos de investigação coordenada?
Resumo dessa primeira parte: não é que a Lava Jato foi longe demais. A verdade é que demorou para começar e só agora os seus métodos se espalham pelo Brasil todo, com os resultados verificados a cada semana.
A segunda parte da ópera trata da destruição de empresas que se tornam alvo do combate à corrupção. Foram destruídas, diz o presidente do STF, Dias Tofolli. A resposta foi dada por Marcelo Odebrecht, em entrevista ao Globo. Segundo ele, a Lava Jato foi um gatilho, mas a empresa se afundou porque, tomada por divergências e disputas internas, não soube reagir e se readequar.
Parcialmente correto. O gatilho não foi a Lava Jato, foi a corrupção praticada durantes décadas.
O que falta mesmo? Duas coisas: um sistema legal mais simples e rápido para os acordos de leniência com as empresas e instrumentos mais fortes para o combate à corrupção.