ESTABILIDADE E ELEIÇÕES

. Artigos A ESTABILIDADE DA MOEDA JÁ É UM VALOR UNIVERSAL AQUI NO BRASIL? Respostas em 2002 O regime oficial de política econômica no Brasil é o de metas de inflação. Como norma institucional, funciona assim: o Conselho Monetário Nacional fixa metas para os próximos dois anos, cabendo ao Banco Central movimentar os instrumentos monetários para cumpri-las. Assim, já estão fixadas as metas de 6%, 4% e 3,5% para este ano e os dois seguintes. Em meados de 2001, seguindo a norma legal, o CMN vai fixar a meta de inflação para 2003. E em 2002, a meta para 2004. Eis aí: o presidente eleito em 2002 assumirá já tendo um compromisso firme de política econômica. Não é pouca coisa. Nessa política, a regra mais imediata é a seguinte: se a inflação esperada está abaixo da meta, o BC vai reduzindo os juros; se está acima, sobem os juros. Logo, a credibilidade dessa política depende essencialmente da independência do BC para mexer na taxa de juros olhando apenas para as expectativas de inflação e não para os planos do governo. O objetivo é justamente garantir a estabilidade da moeda ao longo dos diversos governos. Só funciona se for aceito previamente o seguinte fundamento: a estabilidade é um valor universal ou um bem público comum, que, assim, está acima dos programas com os quais os partidos se elegem e governam. É possível que, num dado momento, o BC tome medidas, cumprindo seu mandato de manter a meta de inflação, que contrariem a política do governo. Eis uma situação típica: suponhamos que se eleja um presidente cujo programa prevê forte expansão do gasto público; ele aplica sua proposta, e isso acelera demasiadamente a atividade econômica e aumenta o déficit público; a inflação a começa a subir; o BC eleva a taxa de juros, esfria a economia e os planos do governo. Ora, o governo é eleito pelo voto popular. Já a diretoria do BC é indicada pelo presidente (ou primeiro-ministro) e aprovada pelo Congresso. Pode essa diretoria – afinal uma instância da burocracia – agir independentemente do governo eleito e não raro a despeito desse governo? Só pode se o país aceita explicitamente que a estabilidade da moeda é o valor universal que está acima dos partidos. Ora, como se sabe que um país aceita esses valores? Pelos partidos que representam as diversas camadas da população. Eis o ponto crucial: a credibilidade do regime de metas de inflação será testada não em 2003, com a posse do novo presidente, mas muito antes disso, na campanha eleitoral de 2002. Todos os candidatos, gostem ou não, serão obrigados a responder a pergunta chave: estão ou não comprometidos com as metas de inflação? Em países com tradição de estabilidade, a pergunta não se faz. O compromisso é dado por certo, mesmo porque os diretores do BC têm mandatos que não coincidem com o do governo e sua independência, dos diretores, é garantida por lei. Assim, só resta aos governantes reclamar do BC, coisa que aliás fazem quase toda vez que a autoridade monetária eleva os juros. Mas a reclamação não tumultua os mercados porque todo mundo sabe que é só isso, reclamação, manifestação de opinião. No Brasil, para o BC ser independente falta a definição dos mandatos da diretoria. Há um projeto que fixa mandatos de quatro anos para os quatro diretores, vencendo cada mandato num ano diferente. Assim, o presidente da República sempre indicará os quatro diretores, mas para mandatos que se estendem até o período de seu sucessor. O presidente eleito em 2002, por exemplo, nomearia o primeiro diretor do BC em 2003, cujo mandato se estenderia até 2007, e assim sucessivamente. A pergunta é a seguinte: se essa lei for aprovada antes das eleições de 2002, institucionalizando-se o modelo de metas de inflação, estaria garantido o regime de estabilidade? A resposta seria sim se essa lei fosse votada pela unanimidade ou por amplíssima e inequívoca maioria dos partidos representados no Congresso Nacional. No mínimo, é necessária a adesão dos maiores partidos – PMDB, PFL, PSDB, PT, PPB, PTB– e do PPS por ter um forte candidato presidencial. Se não for assim, não serve como garantia da estabilidade. Pode ocorrer o caso de se eleger presidente o representante de um partido que se opõe formalmente à independência do BC e/ou à política de metas de inflação. Com os amplos poderes formais e informais da Presidência da República, ele poderá sabotar o regime de metas e infernizar a vida do BC até cavar a demissão do pessoal. Por isso mesmo, em países que ainda estão conquistando a estabilidade, os partidos e especialmente os candidatos presidenciais têm de se manifestar formalmente, mesmo existindo leis definindo as bases da política econômica. Tome-se o caso recente da Argentina, quando das eleições presidenciais do ano passado. A base de seu regime – a conversibilidade peso/dólar – é garantida por lei. Portanto, para derrubá-la, o novo presidente precisaria conquistar ampla maioria no Congresso, o que era muito difícil para qualquer candidato. Mas a situação somente se tranquilizou quando o então forte candidato das oposições, Fernando de la Rúa, comprometeu-se formalmente, em declaração por escrito, com o regime de conversibilidade e, pois, com a estabilidade, o ajuste fiscal e até a manter o acordo com o FMI. No caso brasileiro, o compromisso pedido aos candidatos será em relação ao regime de metas de inflação. A pergunta será feita ao longo da campanha, pela imprensa e nos debates. A resposta é necessariamente do tipo sim ou não. Qualquer tentativa de enrolação – bom, veremos depois, é preciso consultar as bases – será logo percebida como um não. Portanto, os candidatos querendo ou não, a questão da estabilidade da moeda será tema essencial de campanha. É bom. É preciso enfrentar logo essa transição. Claro que a condição para isso é que as metas de inflação tenham sido cumpridas até lá. Tendo funcionado, em 2002 o país responderá se a estabilidade da moeda é ou não um valor essencial. (Publicado em O Estado de S.Paulo, 25/09/2000)

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