No Brasil, país jovem e de renda média, governo gasta 12% do PIB emaposentadorias, incluindo
a dos funcionários públicos
O mais eficiente dos programas sociais foi a valorização do salário mínimo, com reajustes acima da inflação desde a implantação do Plano Real, em 1994. Naquele momento, a grande reivindicação dos movimentos sindicais era o mínimo de US$ 100, valor rapidamente alcançado e politicamente alardeado pelo então presidente FH. É verdade que, de início, ajudou o truque do real valorizado em relação à moeda americana. Depois, com a desvalorização do real, o mínimo foi para baixo. Mas hoje, mesmo que o dólar dispare até R$ 4, o salário mínimo ainda fica na casa dos 200 dólares. Isso forçou os demais salários para cima, distribuiu renda e melhorou muito a vida dos aposentados do INSS, especialmente da área rural.
Eis a vantagem e eis o baita problema: o piso do INSS é um salário mínimo, de maneira que a conta da Previdência também sobe acima da inflação. Em números redondos, o governo federal paga o mínimo para cerca de 20 milhões de beneficiários do INSS. Portanto, um mísero real de aumento no mínimo custa nada menos que R$ 260 milhões/ano para o governo federal.
Para 2015, o aumento será de pelo menos R$ 65, conforme a regra legal. O índice de reajuste é igual ao crescimento do PIB de dois anos atrás (2,5% em 2013) mais a inflação do último ano (digamos, 6,3% agora em 2014). Ou seja, 8,8%, levando o mínimo para R$ 788,09, como consta da última versão da Orçamento. Só aí, tem um custo adicional para a Previdência de pouco menos de R$ 17 bilhões. Incluindo outros pagamentos do governo federal vinculados ao mínimo, o acréscimo de despesa vai a R$ 22 bilhões, dinheiro suficiente para mais de uma refinaria de petróleo, bem planejada, é claro.
Essa regra de reajuste vale só até este ano. Assim, em 2015, primeiro ano do próximo presidente, será preciso aprovar uma nova regulamentação. E parece claro que as finanças públicas não permitem a continuação desses extraordinários ganhos reais. Além disso, formou-se uma injustiça distributiva. Os aposentados do INSS que ganham mais de um mínimo tiveram reajustes bem menores, apenas acompanhando a inflação. Com o passar dos anos, esses aposentados viram cair seus rendimentos quando calculados em proporção ao piso. Resumindo: a pessoa se aposentou ganhando dez mínimos e hoje está recebendo cinco. Pode-se argumentar que o valor real dos benefícios foi preservado, mas como tudo na vida é comparação…
O fato é que há uma demanda dos trabalhadores para o que consideram a reposição do valor das aposentadorias acima do mínimo. Quem se aposentou com dez mínimos considera um direito voltar a esse valor.
Só aí, o próximo presidente tem duas maldades a fazer, se for para colocar as contas em ordem. Reduzir o reajuste do mínimo e negar a reposição aos demais aposentados.
Acrescente aí o fator previdenciário, uma fórmula de calcular a aposentadoria por tempo de contribuição e por idade, que reduz o valor do benefício e desestimula a retirada precoce. Em resumo, obriga a pessoa a trabalhar mais anos se quiser receber o benefício pleno.
A norma foi introduzida no governo FH como um quebra-galho. Substituiu a regra fixando idade mínima para aposentadoria, prevista em emenda constitucional que não passou no Congresso. Resumindo, portanto, trata-se de uma política aplicada em todos os países que já têm gastos públicos elevados com aposentadoria: fazer com que as pessoas trabalhem mais, contribuam mais e ganhem menos.
No Brasil, um país jovem e de renda média, o governo gasta algo como 12% do PIB em aposentadorias, incluindo a dos funcionários públicos. É o mesmo patamar de nações ricas e velhas, como França.
Tudo considerado, temos: o governo gasta muito com aposentadorias; o governo gasta muito no geral; há demanda forte para manutenção dos ganhos reais para o mínimo e correção das aposentadorias de valor mais elevado.
As normas vigentes até aqui contribuíram para melhorar a renda e o consumo. E ajudaram a arruinar as contas públicas. Desmontar isso é, pois, um custo social, político e econômico.
Não é de estranhar que os candidatos não queiram falar desses temas. Ou que fiquem dando voltinhas.
Mas não há como a sociedade brasileira fugir dessa questão, se pretende assentar bases para um crescimento sustentado. O governo já recolhe em impostos quase 40% do PIB e gasta tudo. Não tem mais de onde tirar. Logo, é necessário reduzir gastos públicos. Não tem como escapar disso. Não escapamos de um freio nas aposentadorias. Mas tem um jeito de fazer o ajuste preservando os gastos sociais básicos. Basta privatizar tudo que não for social.
É, isso mesmo, privatizar, outro tema….
Carlos Alberto Sardenberg é jornalista