O SETOR PÚBLICO PAGA MAIS

. Quem ganha mais?

Diz o presidente Lula que o governo federal tem ampliado os serviços que presta à população e por isso precisa de mais funcionários. Acrescenta: ?é preciso acabar com essa mania que se vende todo santo dia, que os funcionários públicos federais ganham bem… na verdade, quase todos ganham mal? (discurso no último dia 14).
Lula não apresentou dados precisos, mas fez algumas comparações para mostrar que o setor privado paga mais. Equivocadas.
Tome-se este dado do IBGE, referente a outubro último, para as seis principais regiões metropolitanas (São Paulo, Rio, Recife, Salvador, Porto Alegre e Belo Horizonte). O rendimento médio real dos trabalhadores do setor privado com carteira assinada foi de R$ 1.083,70. O rendimento do grupo ?militares e funcionários públicos? foi de R$ 1.939,10.
Mais ainda: para os trabalhadores do setor privado, não houve ganho de renda em relação a outubro de 2007. Para militares e funcionários, o ganho real foi de 5,1%.
Estão incluídos, além dos federais, os funcionários estaduais e municipais. Há variações salariais. Os municipais, em geral, são os que ganham menos. Na comparação entre federais e estaduais, ora um, ora outro ganha mais, de modo que na média fica tudo muito parecido. Mas isso só quando se excluem os funcionários de Brasília, os que ganham muito mais.
Dados do IBGE confirmam isso largamente. A maior renda per capita do país, a maior renda domiciliar, a maior despesa familiar ? tudo está em Brasília e sempre acima das médias nacionais.
Mas, disse Lula: ?(A imprensa) fala que nosso pessoal ganha bem. E aí a empresa privada contrata um cidadão nosso, que ganha 5 mil, contrata por 20?.
Acontece. É, aliás o argumento dos funcionários que ganham salários acima dos 15 mil mensais. Promotores e juízes federais, por exemplo, sempre apontam os vencimentos milionários de advogados dos escritórios privados.
Mas esses são, obviamente, a exceção. E uma exceção merecida. Tente o jovem formado montar escritório e sair batalhando causas e clientes num mercado fortemente competitivo. Sem garantia de emprego e de aposentadoria, é tão difícil subir quanto manter-se lá. Vive-se de resultados todos os dias. Já um promotor ou um juiz federal ganha a mesma coisa, qualquer que seja sua produtividade.
É preciso olhar as médias, não as exceções, e isso vale para todas as profissões. Há médicos com clínicas de rendimento milionário, mas há muitos mais empregados em hospitais e operadoras de planos de saúde, que não chegam nem perto desses salários de 20 mil.
Lula também contou o caso de um funcionário da Petrobrás que ganhava R$ 26 mil ? ?era um daqueles marajás? ? e foi contratado por uma empresa privada para ganhar R$ 200 mil por mês.
Deve ser um executivo raríssimo no mercado, tão exceção quanto um salário daqueles. Mas aqui há um ponto: executivos do topo das grandes estatais ganham menos do que nas empresas assemelhadas do setor privado.
Mas isso acontece porque as estatais têm planos de cargos e salários mais rigorosos justamente para evitar abusos dos governantes. Hoje, com todas as restrições, o governo Lula lotou as estatais com correligionários. Imaginem se seu poder de nomeação fosse total e se pudesse pagar salários de 200 mil.
Além disso, há outra diferença importante. Empregados de estatais têm estabilidade, raramente são demitidos e podem fazer carreira com baixa produtividade. Por outro lado, dos escalões médios para baixo, ganha-se mais nas estatais.
Quanto à necessidade de contratar, Lula citou o caso das dez novas universidades federais. ?Como é possível fazer isso sem contratar mais??
Uma sugestão: levantar o número de professores e funcionários das atuais federais, em proporção ao número de alunos. Depois, compare-se isso com universidades padrão e, pode apostar, seria possível fazer muitas federais com os atuais professores e funcionários.
Em resumo, não é verdade que o setor privado paga muito mais que o setor público. Na média, é o contrário. Mas é verdade que há funcionários ganhando mal ? em geral aqueles mais próximos do público, como médicos e professores ? assim como há muita gente ganhando muito bem. Também é verdade que falta gente em alguns setores, mas sobram em outros. E finalmente, a maior desigualdade salarial do país está no funcionalismo.
É um quadro bem mais complexo do que as simplificações do presidente.

Publicado em O Globo, 20 de dezembro de 2007

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