COM O DINHEIRO DO GOVERNO (2)

—O governo, os estádios da Copa … e a busca de votos—

O governo, qualquer um, não é bom administrador de imóveis. Há quanto tempo se ouve falar que o governo federal vai ?otimizar? o uso de suas propriedades urbanas? E até agora não se sabe bem quantas são, quanto valem e para que servem. Até se compreende que seja uma tarefa complicada para os burocratas de Brasília localizar e avaliar um terreno no interior de Rondônia.
No caso de uma prefeitura, mesmo grande como a de S. Paulo, o negócio, em tese, fica mais fácil. Os imóveis estão aí mesmo, à vista de todos, em mercados imobiliários bem desenvolvidos. Mesmo assim, é enorme a relação de propriedades municipais que estão abandonadas, mal utilizadas e/ou ocupadas por entidades privadas de qualquer natureza.
Um bom exemplo é o estádio do Pacaembu em São Paulo. Custa dinheiro para a Prefeitura, a começar por uma folha de salários inchada. Há anos, políticos de todas as tendências conseguem acomodar correligionários ali. O que poderia ser um moderno e lucrativo centro de eventos permanece com um estádio velho (não conseguem nem reformá-lo nem preservá-lo efetivamente) mal utilizado e, de certo modo, apropriado por interesses privados ? de times e suas torcidas até pessoas da região que o usam como se fosse um clube particular.
E nem se cogitou de utilizar o estádio na Copa do Mundo. Claro, do jeito que está, não presta nem para clássicos locais. Mas, convenhamos, se haverá algo como R$ 750 milhões de dinheiro público para financiar o Itaquerão do Corinthians, não haveria alguns trocados para dar um jeito no Pacaembu e seu entorno?
A propósito, para continuar em Copa, se o Pacaembu fosse considerado um caso perdido para esse evento global, esse mesmo dinheiro público poderia ter aplicação melhor no estádio do São Paulo F.C. De novo, do jeito que está não serve. Mas a reforma e as obras no entorno sairiam mais baratas do que todo o conjunto do Itaquerão.
Também haveria ali, no Morumbi, um bom efeito de revitalização urbana, numa região já densa e carente de equipamentos e meios de transporte.
Ou seja, há bons argumentos para o apoio público ao Itaquerão, como comentamos aqui na coluna da semana passada (também pode ser lida em www.sardenberg.com.br , item Política Econômica). Mas a questão é o teor e o modo como foi tomada a decisão pelo estádio do Corinthians.
Também tratamos desse tema na última coluna, mas, aparentemente, de modo incompleto, dadas as observações de leitores. Por isso, voltamos ao assunto. Que a CBF e a FIFA tivessem razões políticas para desqualificar o estádio do São Paulo, por divergências entre dirigentes, poderia ser anti-econômico e anti-ético, mas um problema lá deles. Desde que não envolvesse dinheiro público.
Ora, a decisão pelo Itaquerão teve clara motivação política, a começar pelo empenho do ex-presidente Lula e a concluir pelo esforço atual do prefeito Kassab. A coisa só para de pé com financiamento público, mas a preocupação técnica e com o planejamento urbano ficou em último lugar, se é que apareceu.
A região, Zona Leste, merece incentivos para se desenvolver? Certamente, mas também merecem outras áreas da cidade. Qual a sequência de prioridades? Além disso, um estádio é o melhor meio de estimular? Fábricas não gerariam mais empregos? Conjuntos habitacionais? Um amplo centro educacional, com diversas escolas? Centros hospitalares?
Se um clube quer construir seu estádio, problema dele e de seus associados. Mas se esse clube vai fazer isso com financiamento público e incentivos fiscais da Prefeitura, o problema muda de nível. Por exemplo: quantos estádios cabem na cidade de São Paulo?
Cálculos dizem que um estádio de médio para grande, como esses de que falamos, só são rentáveis com 50 bons eventos por ano (jogos de futebol importantes ou espetáculos como um show da Madonna). Considerando Pacaembu, Morumbi, Itaquerão e arena do Palmeiras, e mais o Anhembi, seriam 250 grandes espetáculos ao ano. Tem isso?
Claro que, se o empreendimento for totalmente privado, o caso não é do governo. O São Paulo e o Palmeiras que se virem com suas arenas. Mas se o governo vai emprestar dinheiro ou dar incentivo, essa preocupação é necessária. Se o estádio apoiado pelo governo não realizar os grandes eventos na quantidade esperada, o empreendimento não terá rentabilidade para pagar a tempo o empréstimo tomado no BNDES. Nem gerará os negócios que ?paguem? os incentivos fiscais dados pela Prefeitura.
Na verdade, esse é o risco que o setor público e, pois, o contribuinte estão assumindo para os estádios da Copa. A maior parte deles não será rentável o suficiente para devolver o dinheiro público ali aplicado. E a conta fica para o contribuinte, claro. Ou alguém imagina que o BNDES ou a prefeitura de São Paulo poderiam, por exemplo, confiscar o estádio do Corinthians em caso de inadimplência?
Os políticos e dirigentes esportivos certamente estão levando isso em conta. Não pagar o que se deve ao governo não é propriamente uma novidade para esse pessoal.
Para falar francamente, suspeito que só ficarão de pé ? economicamente falando ? os estádios que forem de algum modo privatizados, com a construção e, sobretudo, a operação do negócio por companhias de mercado.
Voltaremos ao assunto dos terrenos municipais.

Publicado em O Estado de S.Paulo, 11 de julho de 2011

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