CLT: OS PRIVILEGIADOS E OS SEM NADA

. ?Frila fixo? ou desempregado?     
Quem não trabalha no setor de comunicação ? imprensa, propaganda, editoras, comunicação empresarial, produtoras de áudio-visual, etc ? talvez não saiba o que é um ?frila fixo?.     
?Frila? vem de free lancer, aquele profissional sem emprego fixo, que trabalha por serviço. Ganha por hora, por dia ou por tarefa. ?Frila fixo?, portanto, é uma contradição, mas existe. É o profissional que trabalha numa determinada empresa ? como redator, fotógrafo, desenhista, etc ? recebe remuneração regular, geralmente mensal, mas não tem carteira assinada.     
Isso sempre funcionou em pequena escala, em situações variadas. Na mais comum, a pessoa faz diversos ?frilas? para uma empresa, esta resolve contratá-lo, mas o departamento de pessoal ainda não liberou a vaga. O profissional fica então de ?frila fixo?, porque tem alguma verba para isso, até surgir a vaga formal. Também era costume colocar um ?frila fixo? como uma espécie de teste ou estágio. Dando certo, se assinava a carteira.     
De uns anos para cá, surgiu a onda da PJ em todos os setores da economia brasileira. As companhias estimularam e/ou obrigaram funcionários de um nível médio para cima a se constituírem como Pessoas Jurídicas, empresas prestadoras de serviços. Assim, em vez de assinar carteira profissional, as companhias passaram a contratar serviços de outras empresas, as PJs, quase sempre firmas de um dono só, sem empregados, sede em casa.     
O objetivo óbvio é fugir da custosa legislação trabalhista. E para profissionais de melhor remuneração, é também um meio de pagar menos impostos.  Verdade que esses profissionais, não tendo FGTS, nem INSS, nem plano de saúde da empregadora, têm eles mesmos que pagar por isso tudo, inclusive fundo de pensão. De todo modo, parece vantajoso para os que ganham mais.     
Já profissionais de nível médio não gostaram. Claramente, preferiam ser contratados pela CLT, mas essa opção não existia. Ou era PJ ou não tinha emprego.     
E assim, no ramo da Comunicação, generalizou-se o ?frila fixo?. É a mesma coisa que, por exemplo, o advogado de um banco transformado de empregado CLT em PJ prestador de serviço.     
Não se trata de informalidade. A PJ é legal e assina contrato com a companhia, tudo registrado. Mas é evidente que, na maior parte dos casos, trata-se de uma ilegalidade, algo proibido pela legislação trabalhista.     
E o mercado acomodou-se assim. Até que veio o governo Lula.     
Os sindicatos de trabalhadores sempre foram contrários a essa prática. E sempre reclamavam da falta de fiscalização da parte das DRTs, Delegacias Regionais do Trabalho. Na verdade, existia uma espécie de acordo tácito: melhor não mexer em algo que de algum modo estava funcionando e que era fonte potencial de conflitos. Com a vitória de Lula e a presença de sindicalistas no governo e, especialmente, no Ministério do Trabalho, os sindicatos começaram a pressionar por mais fiscalização. As DRTs foram a campo e, claro, apanharam o que tinham de apanhar. Diversas empresas de comunicação foram multadas e/ou advertidas. Algumas, para evitar maiores disputas judiciais, decidiram eliminar de vez as PJs e os ?frilas fixos?, contratando apenas pela CLT. Aparentemente, pois, o objetivo da fiscalização foi atingido. Mas é preciso discutir as conseqüências. E a principal delas é que muita gente simplesmente perdeu o emprego. E os que tiveram sua carteira finalmente assinada ? como desejavam ? estão trabalhando mais e, não raro, ganhando menos. Considere uma editoria de um jornal ou o departamento de arte de uma agência funcionando com cinco ?frilas fixos?, cada um ganhando R$ 5.000 por mês, gastando, portanto, uma verba de R$ 25.000. Este era o custo total para o contratante. Cada ?frila? dava um recibo ou uma nota fiscal de R$ 5.000 e recebia um pouco menos, pois a empresa já descontava na nota 6,15% de IR, Pis, Cofins e CSLL (Contribuição Social sobre o Lucro Líquido). O ?frila? ou PJ tinha ainda de pagar o ISS (para a prefeitura) e acertar contas com a Receita pelo sistema Simples ou lucro presumido, mas isso era lá com seu contador. Para a empresa contratante, o custo era cinco mil reais e ponto final. Depois da fiscalização, algumas empresas de São Paulo determinaram que todo mundo precisa estar na CLT ? mas cada departamento tem exatamente a mesma a verba para pessoal. No nosso exemplo acima, os mesmos R$ 25.000 mensais. Ora isso dá para no máximo três CLTs, se registrados com o salário de cinco mil. Sobre esse salário, a empresa fica com os seguintes custos: . 1/12 de provisão para Férias                                  
R$ 416,67 . 1/3 Salário de Férias                                               
R$ 138.89  . FGTS 8,5%                                                             
R$ 425,00 . INSS 20,00% (empresa)  + 5,80% (Senac, Sesi, etc) + 3,0% SAT (seguro acidente de trabalho) =28,80%                                 
R$ 1.440,00 . 13º salário (provisão de 1/12)                                      R$ 416,67 . Vale-Transporte (2 conduções e 20 dias)               
R$ 80,00 . Vale- Alimentação (R$ 8,00 p/ dia)                           
 
R$ 160,00        
Sem considerar provisão para multa e indenização em caso de demissão sem justa causa, incluindo 40% sobre o FGTS, o empregado CLT sai para a empresa por pouco mais de R$ 8.000 por mês. Ou seja, onde cabiam cinco ?frilas fixos? cabem três com carteira assinada.     
É o que está acontecendo no ramo da Comunicação. Os que ficam, certamente estão mais seguros, embora talvez ganhem um pouco menos. Sobre os 5 mil, descontam IR de R$ 833,75 e INSS de R$ 275,99. Também trabalham mais, por certo, e a qualidade do serviço obviamente cai.     
Tudo considerado, o resultado ? e isso está de fato acontecendo em diversas empresas ? é de três profissionais no bom abrigo da CLT (especialmente para as mulheres, que ganham acesso à muito especial licença maternidade, aliás não contada no custo acima); e dois ?frilas fixos? desempregados.     
E aí, tudo bem?     
É claro que a situação ideal seria se as empresas assinassem a carteira de todos os ?frilas? e PJs, como querem os sindicatos. Mas isso não vai acontecer, dado o enorme custo do emprego formal. De modo que se pode levantar a questão ética e profissional: faz sentido impor uma legislação que gera ao mesmo tempo vantagens e desemprego?     
Observando-se o conjunto da economia, verifica-se que a maior parte dos trabalhadores hoje não está nem na CLT nem na PJ, mas na completa informalidade. Ora, está na cara que há algo de errado com uma legislação que divide os trabalhadores entre uma minoria de privilegiados, na ampla segurança da CLT, e uma maioria de sem-direitos, sem-previdência e/ou sem-emprego. Publicadem o O Estado de S.Paulo, 28 de março de 2005

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