CARROS PARA TODOS

Como dizer aos emergentes que não podem ter os carros que os ricos já têm?
Sim, temos um problema com os carros. E não apenas em São Paulo. Contando só as últimas três semanas, parei em congestionamentos em Curitiba, Belo Horizonte e Brasília. E também no Rio.
Logo, parece enorme insanidade estimular a venda de mais automóveis. Desgraçadamente, porém, a coisa é mais complicada, tanto do ponto econômico quanto social. Há aí até uma questão de justiça social.
O pessoal do setor automobilístico nota que ainda se pode vender muito carro no Brasil. De fato, a relação pessoas/veículo é menor aqui do que nos vizinhos Chile e Argentina e muito menor do que nos países mais desenvolvidos. Pelos cálculos da indústria, para chegar aos padrões europeus (pouco menos de dois habitantes por carro) o Brasil tem espaço para mais 75 milhões de veículos, multiplicando-se por quatro a atual frota, em números aproximados. É promissor para o setor. E nenhum governo vai abrir mão de uma indústria com esse potencial.
Promissor, não, assustador, se diz do outro lado, onde se encontram os ambientalistas e todos aqueles preocupados com o crescimento sustentável. Para eles, o problema está justamente nesse padrão de desenvolvimento baseado no veículo particular. Entendem que essa fase está ou deveria estar acabando, a ser substituída pela era do coletivo.
Desse ponto de vista, os governos e as organizações internacionais deveriam proporcionar estímulos para o transporte público e restrições para o uso dos veículos particulares. As limitações são conhecidas. Para quem já tem carro, restrição de uso, como rodízios, proibição de circulação em determinadas vias, pedágios urbanos caros, e impostos pesados sobre a gasolina — e sobre o nosso etanol, pois o objetivo, além de reduzir as emissões de carbono, é também o de tirar veículos particulares das ruas e abrir espaço para os coletivos.
Também se enquadra nessa política o encarecimento dos automóveis, via impostos ou restrição de financiamento.
Claro que o outro lado desse programa é o oferecimento à população do transporte público de qualidade.
Aqui já complica. Não é justo, nem economicamente correto restringir o uso dos carros enquanto não há boa oferta de metrô, trens e ônibus. Ora, construir essa oferta é caro e demorado, especialmente no Brasil.
Além disso, e aqui entra o argumento social, nada menos que 40 milhões de brasileiros chegaram à classe média nos últimos anos. Seu poder aquisitivo aumenta todo anos, o que lhes dá acesso a bens de consumo já tradicionais dessa categoria social, que, aliás, é global.
Neste quadro, restringir a compra e o uso do sonhado carro pessoal é claramente uma injustiça. Os ricos e os bem de vida, as classe A e B, já desfrutam dos seus automóveis. Quando a nova classe C se aproxima disso, avisamos: infelizmente, vocês chegaram tarde, agora não pode mais. Não rola.
Coloquem isso em escala mundial. Nos Estados Unidos, há quase um carro por habitante. Na China, são pouco menos de 30 pessoas por veículo. Os chineses são 1,35 bilhão. Ou seja, haveria um momento em que só lá teríamos mais de um bilhão de carros.
Inviável, conclui-se. Mas como dizer aos chineses, só agora subindo na vida, que chegaram tarde e não poderão ter o que os ricos já têm?
Não vai colar. Os chineses já estão produzindo (e consumindo) quase 12 milhões de carros por ano. E começam a exportá-los para toda parte.
O Brasil já chegou aos 3,5 milhões de veículos/ano e certamente vai subir nessa escala. Não há como convencer o consumidor de que o carro é uma opção irracional. Ok, ele perde horas nos congestionamentos. Continua sendo melhor que a alternativa, a de ficar congestionado em um ônibus lotado. Na verdade, a alternativa racional é a moto, a perigosa moto.
Por outro lado, combustíveis e carros já são pesadamente tributados no Brasil. Se o dinheiro desses impostos tivesse sido aplicado em transportes públicos, como era o caso, teríamos hoje uma rede superior à da Alemanha.
Como ficamos?
Primeiro, poluição e congestionamentos tornam inevitável o investimento em infraestrutura urbana. Em qualquer caso, tem que fazer. No nosso, como o governo é ineficiente, já cobra e gasta muito imposto, a única saída é um amplo programa de concessões a empresas privadas. Não a Delta, claro.
Segundo, estimular amplamente os veículos ?verdes?, a etanol e os elétricos, por exemplo, ou mesmo a gasolina, porém mais eficientes. Como o pessoal não vai desistir dos seus carros ou se vai desistir quando tiver alternativa melhor, é preciso apostar na tecnologia. É o que o mundo está fazendo. O Brasil está atrasado nos dois quesitos.

Publicado em O Globo, 24 de maio de 2012

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