CRISE ECONÔMICA E ELEIÇÕES

. Mudanças? Vejam como a coisa está complicada. Na semana em que o Partido dos Trabalhadores entregou o que o mercado financeiro e os meios econômicos exigiam, já não é Lula que está na frente nas pesquisas. É Ciro Gomes, que despontou como vencedor no segundo turno. Assim, a mesma pressão que se fez sobre Lula, quando este ameaçava ganhar no primeiro turno, já se faz sobre Ciro: que assuma compromissos com a manutenção do superávit primário das contas públicas e das metas de inflação e com o cumprimento dos contratos, vale dizer com o pagamento dos títulos da dívida pública rigorosamente nos prazos e nos valores contratados. Lula entregou esse compromisso na semana passada, com o lançamento do programa de governo do partido. Basta comparar esse texto com os dois documentos anteriores (“Um outro Brasil é possível”, do Instituto da Cidadania, a ONG de Lula, e “Ruptura Necessária”, aprovado pelas lideranças nacionais do PT). Desapareceram as referências a “rupturas” (com o atual modelo econômico), não se fala mais em “mudança de paradigma”, não se ataca a “democracia formal”, não se esculhambam as organizações financeiras internacionais, não se fala em revisão das privatizações. Mais importante, o documento se compromete, num período de transição, com a manutenção do superávit primário necessário à estabilização da relação entre a dívida pública e o Produto Interno Bruto – que é justamente a tese mais importante do ponto de vista da doutrina do Fundo Monetário Internacional. Tanto é que as metas de superávit primário são as mais importantes do atual acordo entre o governo FHC e o FMI. Explicando, o governo funciona assim: recolhe os impostos, taxas e contribuições, e sai pagando as despesas (salários do pessoal, aposentadorias, funcionamento da máquina, merenda escolar, remédios para os hospitais, munição das Forças Armadas e das polícias, gasolina para os veículos públicos, cafezinho da turma, verba de gabinetes, livros para as escolas, investimentos em estradas, etc . etc). Se, ao final, sobrarem reais, diz-se que o governo fez um superávit primário, que serve, no nosso caso, para pagar parte da conta de juros. Como se uma empresa ou uma família fizessem economia nas despesas correntes e investimentos, para amortizar financiamentos e empréstimos. É um critério de solvência. E por falar nisso, na semana passada saíram os números. O superávit primário de todo o setor público brasileiro (governos federal e estaduais, prefeituras, mais as estatais) alcançou R$ 28,9 bilhões no primeiro semestre deste ano, quase 4 bilhões acima da meta acertada com o FMI. Isso quer dizer que o governo fez um saldo maior do que o considerado necessário para equilibrar a dívida. Simples assim? Não. Ocorre que a dívida cresceu mesmo com aqueles números positivos. A dívida líquida de todo o setor público, em 30 de junho último, chegou a R$ 750 bilhões (30 bilhões acima da meta), isso representando 58,6% do Produto Interno Bruto, a soma de tudo que se produz no país, de mercadorias a serviços. Essa proporção era de 56% no final de maio e de 53,3% no final de dezembro de 2001. Portanto, o superávit primário, embora rigorosamente cumprido, não tem sido suficiente. E por que? Basicamente, e exclusivamente nos últimos dois meses, por causa da alta do dólar. Primeiro, porque há uma dívida externa, naturalmente tomada em dólares. Segundo, porque parte da dívida interna, embora paga em reais, é indexada ao dólar. São os títulos cambiais que pagam ao portador reais equivalentes a tantos dólares. Assim, sobe o dólar, sobe a dívida pública; isso cria desconfiança quanto à capacidade de pagamento do governo; em consequência, os investidores, locais e internacionais, pedem juros mais altos para ficar com os títulos da dívida brasileira; sobe, portanto, a despesa financeira, tudo levando a mais dúvidas sobre a solvência do país. O pessoal resolve comprar dólares, a cotação sobe de novo e segue a ciranda infernal, de passagem derrubando a Bolsa. Mas por que o dólar teria subido lá atrás, deslanchando a ciranda? Por causa do medo de que tudo isso acontecesse no próximo governo. Exatamente assim, caro leitor, cara leitora: a coisa acontece por causa do medo de que acontecesse. E assim estamos de volta ao início deste artigo, os compromissos dos candidatos que estão à frente. Quando Lula disparou nas pesquisas, a partir de abril, carregando os documentos e propostas que falavam em ruptura radical, em denunciar o FMI e sugeriam má vontade com um superávit feito para pagar juros aos banqueiros, todo mundo chegou à conclusão que um eventual governo do PT abandonaria o superávit, aumentaria o gasto público e, assim, faria disparar a dívida pública. Iniciaram-se daí dois movimentos. De um lado, a crise financeira, que em parte veio de fora, da instabilidade dos mercados internacionais, escalou para um ponto agudo , levada pelo fator eleitoral. De outro, o PT iniciou um movimento de aproximação com o mercado e os meios econômicos (declarações de manutenção do atual arranjo, conversas com Armínio Fraga e com os investidores internacionais), tudo culminando com o documento da semana passada. Mas aí a bola da vez já era Ciro Gomes. Como fará o candidato da Frente Trabalhista? Ele já moderou declarações e foi conversar com Armínio Fraga (mas em segredo, para não ser fotografado lá). Continua faltando um papel passado. Que pode ser o tal acordo de transição com o FMI, assinado informalmente pelos candidatos competitivos. O fato é que quando se olham os indicadores financeiros do Brasil em abril último, encontra-se um cenário positivo. Bolsa perto dos 15 mil pontos, dólar a R$ 2,30, risco Brasil abaixo dos 800 pontos. O que mudou na economia brasileira real de lá para cá? Nada. E os números de base continuaram melhorando: o superávit primário aumentou, o déficit das contas externas caiu mês a mês e chegou, em junho último, ao nível mais baixo desde 1996. O rolo está nas expectativas. Portanto, só muda com expectativas mais positivas em relação ao próximo governo. Depende dos candidatos e de uma boa administração do atual governo. Em O Estado de S.Paulo, 27 de julho de 2002

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