BUSH E LULA

. Bush e Lula na globalização      
A Colômbia, país que já adota a mistura de etanol na gasolina, tem hoje cinco usinas produtoras de álcool e mais duas em construção. Sua atual capacidade de produção é de 350 milhões de litros/ano.     
Mixaria. O Brasil tem 335 usinas e cerca de 80 em projeto e/ou instalação. Produz hoje cerca de 18 bilhões de litros/ano (51 vezes mais do que a Colômbia) e pode chegar a 35 bilhões em cinco anos. Mas não faz muito tempo, o Brasil dominava todo o mercado mundial de café. Hoje, o ?Café de Colômbia? tem muito mais prestígio como produto de qualidade. Hoje, o Brasil é o maior exportador mundial de açúcar. Combinando as vantagens do clima e da terra com tecnologia de ponta, aqui gerada, os empresários brasileiros desenvolveram plantações e instalaram usinas imbatíveis. O açúcar brasileiro sai bom e barato em qualquer lugar do mundo. Do mesmo modo, o país pode tornar-se grande exportador de etanol ? se tomar as medidas corretas, isto é, diferentes do que fez com o café. Hoje, do que o Brasil mais precisa, nesse caso do etanol, é de globalização e acordo com os EUA, justamente os demônios que os manifestantes anti-Bush exorcizam por aí. Por que globalização? Considerem os números: o presidente George Bush propôs, como um desafio, que os Estados Unidos tomassem como meta cortar 20% do consumo projetado de petróleo na próxima década. Hoje, a única possibilidade tecnológica, sem reduzir o uso do automóvel, coisa ainda impensável para os americanos, é pela adição de álcool à gasolina. Se for feito, isso representará  uma demanda adicional de 130 bilhões de litros de etanol por ano.     
A produção atual dos EUA chega a cerca de 18 bilhões de litros. A brasileira é um pouco menor, quase a mesma coisa.     
O resto do mundo produz cerca de 15 bilhões. No total, portanto, são  50 bilhões de litros/ano ? contra uma demanda possível 2,5 vezes maior só nos Estados Unidos.     
Essa demanda, nos EUA e no mundo todo, depende de uma decisão política: a introdução de norma tornando obrigatória a adição de álcool à gasolina. Está claro que os possíveis consumidores globais de etanol só tomarão essa decisão se tiverem certeza de que haverá produção (oferta) regular, com muitos produtores confiáveis e, sobretudo, diversificados.     
Nenhum país vai adotar amplamente o etanol se souber que os dois únicos produtores são Brasil e EUA.     
Ou seja, a produção precisa ser globalizada. Isso requer a padronização e regularização do etanol como uma commodity, o comércio em bolsas internacionais, com cotações globais, e, sobretudo, a difusão da produção por vários países.     
Para avançar nessa operação, o caminho mais fácil é um acordo com os Estados Unidos, que têm, nesse caso, o mesmo interesse. Jeb Bush, o irmão do presidente, ex-governador da Flórida, participa de uma comissão internacional com Roberto Rodrigues, ex-ministro da Agricultura e um líder do agronegócio brasileiro, cujo propósito é disseminar a produção de etanol nas Américas.     
Alguns dirão: mas o Brasil vai ceder sua liderança?     
A resposta é o contrário. O Brasil pode ganhar em todas as pontas. Assim como se tornou o maior exportador mundial de açúcar, mesmo num mercado distorcido por subsídios, pode vir a ser grande exportador de etanol, pela simples e boa razão de que é o mais competitivo hoje.     
Além disso, tem terra disponível e condições para ampliar a produção muito rapidamente.     
E pode também, na onda da globalização, exportar sua tecnologia, tanto no cultivo da cana quanto nas usinas. Pode exportar as próprias usinas.     
Ou seja, tem espaço para todos. O consumo de etanol pode alcançar a estratosfera.     
Eis o movimento, portanto: a globalização do etanol faz com que se torne um produto de abastecimento seguro e confiável. No mercado ampliado, ampliam-se as possibilidades do Brasil, por ser o líder atual do setor. O apoio dos EUA empurra esse movimento.     
Tudo considerado, se o Brasil fosse seguir a linha dos protestos anti-Bush e anti-agronegócio, simplesmente perderia o que pode ser o maior negócio deste início de século 21 (o biocombustível).     
E por ser o grande negócio, é óbvio que está mundo de olho. O Brasil hoje é o campeão da tecnologia, mas as pesquisas se desenvolvem por toda parte. Nos EUA, gasta-se um monte de dinheiro no estudo de outras formas de produção do etanol (de celulose, por exemplo).     
Na Europa, pesquisa-se o biodiesel, outro produto no qual o Brasil pode ser extremamente competitivo, em um mercado global.     
Importante notar: EUA e Europa têm muito mais dinheiro para investir tanto em pesquisa quanto em desenvolvimento da produção. O Brasil, país emergente, tem menos capital. Daí o caminho: aliar-se a eles, buscar os capitais, porque se não vieram para cá, procurarão outro lugar.     
Um pequeno exemplo: no Peru, uma empresa americana já está construindo uma baita destilaria de álcool de cana para exportar direto para os EUA, via duto através do Pacífico.     
Convém notar que muitos países da América Latina já têm acordos de livre comércio com os EUA e não pagam a sobretaxa sobre o etanol que o Brasil paga.     
Dessa perspectiva, o Brasil está em posição desvantajosa, dada a decisão do governo Lula de enterrar a Alca e o desprezo da diplomacia por esses ?acordinhos?, como o chanceler Celso Amorim chamou os acordos de livre comércio com os EUA.     
Essa foi uma posição ideológica da parte do governo que, como os manifestantes, só vê nos EUA o diabo imperialista.     
A força da realidade mostra o contrário, que os Estados Unidos podem ser os aliados preferenciais num processo de globalização que interessa ao Brasil ? porque pode gerar crescimento econômico e empregos, sobretudo no interior do país.     
O presidente Lula parece ter compreendido isso e vai tentar se acertar com Bush nesse caso do etanol. Vai tentar fazer dele um caso específico.     
Mas imaginemos que Bush proponha algo assim: a derrubada das tarifas sobre o etanol em troca da derrubada de barreiras brasileiras sobre este ou aquele setor industrial ou de serviços.     
Sabe qual vai ser a resposta de Lula? Preciso perguntar para os colegas do Mercosul, Chávez, Kirchner … Publicado em O Estado de S.Paulo, 12 de março de 2007

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