BRASIL – A CRISE ACABOU

. Artigos   A ECONOMIA BRASILEIRA PEGOU A inflação de julho foi altíssima, o Supremo Tribunal Federal espetou mais uma conta na viúva, só 19% dos brasileiros aprovaram o governo Fernando Henrique, mas a bolsa terminou a semana em festa e os investidores estrangeiros fizeram fila para comprar ações da Petrobrás e títulos do governo brasileiro com vencimento daqui a 40 anos.É assim. Quando as coisas vão mal, qualquer bobagem do Itamar derruba os mercados. Quando vão bem, o pessoal passa por cima das más notícias. É verdade que o mercado financeiro viaja entre a Etiópia e a Suíça ao clicar de dois negócios. Está hoje na suíça, mas quem sabe até quando? Ocorre que desta vez as coisas na economia real vão bastante bem. É moda dizer que o mercado financeiro não tem nada a ver com a economia real, mas não é bem assim. Muitas vezes descola, mas no essencial as bolsas não podem ir bem se as empresas não dão lucros; os juros não podem cair se as contas públicas estão desequilibradas e a inflação é alta; e, finalmente, a taxa de câmbio não pode se equilibrar se faltam dólares para fechar as contas externas. Na verdade, estamos diante de uma rara combinação de fundamentos positivos. Ninguém se impressionou muito com a inflação de julho, recorde de alta, porque praticamente todo mundo entende que foi um episódio único e que os índices começam a desacelerar já em agosto. Por trás disso está um amplo consenso favorável em torno da política de metas de inflação aplicada pelo Banco Central. O pessoal acha que o BC de Armínio Fraga está no comando e tem como cumprir os 6% para este ano. Por outro lado, causou alguma preocupação a decisão do Supremo de mandar aplicar uma correção monetária adicional nas contas do FGTS. Prestou atenção? Correção monetária – aquela coisa da época da inflação alta e crônica. Mas foi uma preocupação apenas por constar. Ninguém vendeu ações, ninguém saiu comprando dólares, ninguém vendeu títulos do governo brasileiro por causa disso. Em outros tempos, a ridícula moratória de Itamar, cujo efeito sobre as contas públicas nacionais seria zero, foi a gota d’água que derrubou mercados aqui e no exterior. Por que, agora, uma conta de verdade, e alta, passa batido? Eis a diferença: no final de 1998, a instabilidade financeira era internacional, o real estava sob ataque e pouquíssimos acreditavam que o governo Fernando Henrique seria capaz de passar pelo turbilhão, salvar a estabilidade e colocar ordem nas contas públicas. Pois é, passou pelo furacão, a inflação ameaçou voltar mas logo se recolheu, o real desvalorizou mas voltou a se estabilizar, de modo que a desvalorização trouxe mais resultados positivos. Finalmente, surpresa: já são quase dois anos que o governo mantém o superávit primário das contas públicas. Além disso, conseguiu aprovar instrumentos que sustentam um equilíbrio duradouro do setor público, como a Lei de Responsabilidade Fiscal, que estabelece padrões rigorosos para as administrações municipais, estaduais e federal. Assim, entende-se que a conta do FGTS será paga sem que o governo federal faça inflação ou aumente o endividamento. Esse é o resumo da ópera 2000: a política econômica encaixou e o cenário externo é muito amistoso, com quase o mundo todo em crescimento. Nesse sentido, a notícia da semana foi a informação, do IBGE, de que a economia brasileira cresceu quase 4% no primeiro semestre deste ano em relação ao mesmo período de 1999. Com isso, a produção nacional volta ao nível pré-crise, de modo que daqui em diante ocorre uma retomada efetiva do crescimento. E isso remete a outra questão da semana passada, a pesquisa Vox Populi mostrando que apenas 19% dos brasileiros aprovam o governo. Há uma leitura positiva da pesquisa: o fato é que a aprovação aumentou enquanto a desaprovação caiu. Isso pode ser uma tendência, mas depende de um fator essencial, a melhora no padrão de vida das famílias. Não foi apenas o crescimento do desemprego. Todos os brasileiros sentiram a crise no bolso: a alta da inflação em 1999 (quase 10%), a elevação das tarifas de serviços essenciais, cujo uso não pode ser evitado, o custo maior de itens como planos de saúde e escola, em meio a um ambiente recessivo, de queda de salários, tudo isso deprimiu a renda das famílias. Acrescente juros elevadíssimos e crediário escasso, e se tem o tamanho do baque no modo de vida. Essa foi a causa essencial da desaprovação. Nos bons primeiros anos do real – lembram-se? – dizia-se que o presidente Fernando Henrique parecia revestido de teflon. Nada de ruim colava nele. Depois, do final de 98 em diante, foi o contrário: só colou coisa ruim, mesmo quando ele não tinha nada a ver com a história. Daqui para a frente, é certo que a renda das famílias vai melhorar, inicialmente pelo efeito crediário e depois com ganhos salariais, que sempre aparecem quando a economia pega dois, três anos de expansão. Mas pode ser que o pessoal entenda que a vida melhorou a despeito do governo e do presidente. Com a economia em frangalhos, não há como um presidente ter aprovação. Com a economia indo bem, o presidente pode ou não ter aprovação, dependendo de fatores subjetivos da política. Veremos. De todo modo, só a virada na economia já mudou o cenário das eleições presidenciais de 2002. Se tudo caminha como está pintando, o país chegará naquele ano com um crescimento acima de 4%, inflação na casa dos 3%, dívida pública reduzida e estável, juros baixos e crediário fácil. Isso não é especulação vazia: esse cenário é considerado muito viável pela ampla maioria dos analistas, aqui e no exterior. (Ou o pessoal não estaria comprando papéis brasileiros a juros menores). Isso significa que os candidatos que construíram seus programas com base na crise ficarão sem assunto. Quem vai querer saber de moratória, se a dívida pública estiver controlada e os juros reduzidos a níveis internacionais? O discurso anti-FMI também não pegar, porque o acordo acaba em 2001. Na verdade, o debate será em torno do que se poderá fazer para o país crescer de modo mais acelerado e com mais distribuição de renda. Estaremos falando de programas positivos, que partam do já conseguido, e não a propaganda tipo contra tudo o que está aí. Será menos sensacional, porém mais útil para o país. (Publicado em O Estado de S.Paulo, 14/08/2000)

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